O Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Em nosso último post, iremos falar sobre o mais importante sistema de promoção aos Direitos Humanos na América Latina, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Falaremos sobre a comissão e a corte , que são os principais órgãos deste sistema e concluiremos citando o caso Damião Ximenes, o primeiro caso a ser julgado pela Corte Interamericana , que culminou na condenação do Brasil como violador dos direitos humanos.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos se efetivou em 1948 com a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA),considerando que ambos se complementam. Tal organização não é exclusiva dos direitos humanos, mas reserva parte de suas atividades a isso como veremos a seguir.  De acordo com seu documento constitucional, se trata de um organismo regional que objetiva a obtenção de uma ordem de paz e justiça, promoção de solidariedade, defesa da soberania, a integridade territorial e a garantia da independência dos Estados Americanos.Se baseiam primordialmente nos Direitos Humanos, Democracia, Segurança e Desenvolvimento, sendo esses seus principais pilares.Levando em consideração nosso objeto de estudo, será os Direitos Humanos o pilar mais relevante para nossa discussão.

A OEA possui dois órgãos independentes responsáveis por tal tema, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, as quais serão explicadas a seguir. Utiliza ainda a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou pactos de San José de 1969 como a ferramenta jurídica principal do Sistema. Tal Convenção assegura direitos civis e políticos, direitos sociais, econômicos e culturais e permite somente Estados membros da OEA fazerem parte.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

Principais pontos:

  • Órgão da OEA
  • Instalada em 1960
  • Atua junto dos Estados

Objetivo: Resguardar e ampliar as normas jurídicas e institucionais que garantam a proteção dos D.H.

Composta por 7 membros eleitos na Assembleia geral da OEA e que representam os Estados- membros durante quatro anos.

1961: Primeiras visitas investigativas

  • O sistema interamericano é único, entretanto, está segmentado em duas esferas:
  • Aplicável aos signatários da convenção interamericana de Direitos Humanos
  • Aplicável aos membros da OEA

OEA: Disposições mais genéricas, baseadas na carta da OEA.

Convenção: Disposições mais especificas, maior estrutura e fundamentação na área de Direitos Humanos.

Somente Estados-membros da OEA têm o direito de aderir à convenção americana. Segundo os dados da OEA, dos 35 Estados-membros, 25 são partes da convenção americana. O Brasil aderiu em 1992 a convenção.

Venezuela e Trindade e Tobago denunciaram a convenção, entretanto, devem seguir as especificações.

– “Todos os Estados-partes da Convenção americana de Direitos Humanos são obrigatoriamente signatários da Carta da OEA, pois o Estado tem que ser necessariamente membro da OEA”.

– Artigo 78: Estipula que a partir de cinco anos após a entrada do Estado na convenção, este poderá denuncia-lá, porém não perdem suas obrigações contidas na Convenção

– O mandato da Comissão Interamericana surgiu na Carta da OEA ( 1948) + Declaração dos direitos e deveres do Homem

– Estruturou na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, no pacto de San José

– A brevidade da menção da Comissão na Carta da OEA deriva do fato que era esperado que todos os Estados-membros da OEA aderissem também a Comissão, não havendo a necessidade de se prolongar muito no assunto.

– A questão é que cada Estado membro tem por direito a decisão de assumir ou não maiores obrigações com a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos. Sendo assim, a decisão de adentrar em tratados mais abrangentes torna-se optativa.

– O Brasil assinou o tratado de San Jose em 1992 mas reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos apenas em 1996.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (1979):

Principais pontos:

-Órgão judicial autônomo da OEA, cujo mandato consta da Convenção Americana. Está sediada na cidade de São José, Costa Rica.

-É integrada por sete juízes/as eleitos/as a título pessoal, provenientes dos Estados membros da OEA. São eleitos pelos Estados Partes, em votação secreta e por maioria absoluta de votos, durante a sessão da Assembleia Geral da OEA.

-Objetivo: interpretar e aplicar a Convenção Americana e outros tratados interamericanos de direitos humanos, em particular por meio da emissão de sentenças sobre casos e opiniões consultivas.

-Como eu posso levar um caso à Corte IDH?

Somente os Estados partes e a Comissão podem submeter casos à Corte IDH. As pessoas não podem recorrer diretamente à Corte IDH, devendo apresentar sua petição à Comissão e completar os passos previstos perante esta.

-Contra quais Estados a Comissão pode encaminhar casos à Corte IDH?

Somente Estados que ratificaram a Convenção Americana e reconheceram a competência da Corte IDH.

Estados: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.

  • Efetividade das Instituições:
  • Avanços: III Regulamento da Corte (1996): ampliou a possibilidade de participação do indivíduo no processo, autorizando que osrepresentantes ou familiares das vítimas apresentassem, de forma autônoma, suas próprias alegações e provas durante a etapa de discussão sobre as reparações devidas.IV Regulamento da Corte: é possível que as vítimas, seus representantes e familiares não só ofereçam suas próprias peças de argumentação e provas em todas as etapas do procedimento, como também fazer uso da palavra durante as audiências públicas celebradas.

Fonte: http://www.corteidh.or.cr/

  • Impecílios: Aplicabilidade – A recusa por parte dos atores em aplicá-lo.

“Aparentemente, carece no entendimento de todos esses atores que qualquer empreendimento internacional, justamente por sua natureza, somente pode funcionar à medida que todos contribuam e à medida que esse empreendimento ganhe espaço na vida e no lugar de cada um […]”(VELOSO, Pedro Augusto Franco. Efetivando o Sistema Interamericano: Os procedimentos para acionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Trâmite até a Corte. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007. 452p. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos).

Caso Damião Ximenes

O caso Damião Ximenes foi o primeiro a ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A história começou quando a mãe de Damião, deficiente mental,   foi visitá-lo na “Casa de Repouso Guararapes”. Quando chegou a mãe foi impedida de ver seu filho e mesmo com a proibição ela invadiu o lugar onde ele estava e se deparou com  a seguinte situação :seu filho com as mãos amarradas para trás, sangrando , machucado e gritando : “ Polícia!!! Polícia !!!” , no mesmo dia foi dado o laudo de falecimento de Damião, em que o próprio médico da clínica que havia negligenciado atendimento, alegou morte por causa indeterminada.

Logo em seguida a irmã da vítma, Sra. Irene Damião Lopes, deu queixa na polícia e tentou que a justiça fosse cumprida através dos meios que o Estado a proporcionava. Diante de um insucesso  e desprezo por parte do Estado, ela recorre a Comissão de D.H. através de um e-mail relatando todo o ocorrido. Algumas partes desse documento enviado à Comissão no dia 22 de novembro de 1999 foram disponibilizados na dissertação de Borges (2008):

Meu irmão, Damião Ximenes Lopes, foi morto segunda-feira dia 04/10/99 em Sobral/CE, na “Casa de Repouso”, digo melhor, Casa de Torturas, Guararapes. […] Damião tinha 30 anos e sua saúde mental não era perfeita […] levava uma vida normal a base de remédios controlados […] Ele reclamou: lá dentro existe muita violência e maus tratos, se o paciente não quer tomar o remédio, os enfermeiros batem até o doente perder as forças e aceitar o medicamento. Nestas últimas semanas meu irmão decidiu deixar de tomar os remédios, como de costume […] estava sem dormir há algumas noites […] nossa mãe com receio que ele entrasse em crise, na tarde de sexta-feira passada, 01/10/99, levou-o ao hospital acima mencionado e o deixou internado para receber cuidados médicos. […] segunda-feira, quando voltou para fazer visita, encontrou o Damião quase morto. Ele havia sido impiedosamente espancado, estava com as mãos amarradas para trás e seu corpo coberto de sangue. […] Ele ainda conseguiu falar, numa expressão de pedido de socorro: polícia, polícia, polícia, […] Quero tornar público que no Guararapes reina a humilhação e a crueldade. Seres humanos são tratados como bichos. As famílias das vítimas são pessoas pobres, sem voz e sem vez. E a impunidade continua. […] As mulheres são igualmente agredidas e estupradas. […] Neste sistema, inocentes perecem, perdem a vida e tudo fica no anonimato. Provas nunca existem. Assim como eu, muitos clamam por justiça e estão prontos a dar seu depoimento. Em nome da JUSTIÇA e dos DIREITOS HUMANOS, AJUDEM-ME!! […] Irene Ximenes Lopes Miranda. (Borges, 2008, Pág 28) [1]

Ela recebe então a ligação de um advogado da comissão que logo dá inicio aos tramites legais. Até o ano de 2000 o Brasil teve três oportunidades de se pronunciar , mas não o fez. Somente em 2002 a petição foi reconhecida como cumpridora dos requisitos de admissibilidade. No decorrer do processo a Comissão emitiu sugestões para que o Estado “concertasse” suas defasagens, porém elas não foram acatadas e em cumprimento à solicitação dos peticionários encaminhou o caso à Corte Interamericana de Direitos.

Contudo em 2006, a Corte profere na audiência final do caso a condenação do Brasil enquanto violador dos artigos 4, 5, 8 e 25 da Convenção Americana, mas qualifica a responsabilidade internacional do Estado brasileiro como parcial, sentenciando-o para que este garanta a agilidade da justiça brasileira, promova a investigação, penalize os responsáveis pela tortura e assassinato de Damião Ximenes e indenize a família de Ximenes.

 

Em suma, esse caso nos leva a perceber que a Corte foi efetiva em sentenciar o Estado Brasileiro a pagar indenizações e tomar medidas para promover alteração do sistema médico, entre outras medidas. Porém ainda percebemos que o Estado não foi  fiel em cumprir as medidas estabelecidas,já que até hoje não houve uma reforma no sistema citado.

Contudo, a existência e atuação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos é indispensável no cumprimento dos  direitos básicos dos indivíduos. Mas percebemos também que ainda há uma defasagem na estrutura deste sistema e espera-se que haja uma evolução e melhoria dele com o decorrer do tempo.

 

[1] ROSTELATO, Telma Aparecida. p. 8864. Violação a Direitos de Pessoa com Deficiência: O Caso Damião Ximenes Lopes – Pioneira Condenação do Brasil,  pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. 2009

A Comissão da Verdade,a iniciativa brasileira!

Em 2009, foi criada a Comissão da Verdade com o objetivo de trazer a tona violações dos Direitos Humanos no Brasil entre os anos de 1946 e 1988. De acordo com os registros do Governo Federal, existem, aproximadamente, 150 casos de opositores do regime militar desaparecidos após serem detidos por agentes do Estado. Nestes casos, não existem registros processuais acerca das circunstâncias das apreensões, tampouco notificações à advogados de defesa, tribunais e aos familiares.

Após 4 décadas do início do regime militar, inúmeras vítimas ainda são acometidas pelas lembranças das atrocidades praticadas por torturadores, militares e agentes do Estado,durante os 21 anos do sistema ditatorial instaurado em 1964.

O projeto de apuração de violações ganhou força em 2010, após a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenar o Brasil frente as ações movidas por familiares e envolvidos na “Guerrilha do Araguaia”, movimento de resistência, organizado pelo PC do B, entre 1972 e 1974, no Pará.

“O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia. É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la” – Dilma Rousseff


Na ocasião, Américo Ingalcaterra, representante regional do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, pronunciou sobre o acontecido, de maneira favorável, alegando que o direito a verdade e a história do Estado são listados como premissas no Direito Internacional e servem para evitar que tais violações voltem a ocorrer.

“O direito à verdade é um direito bem estabelecido no direito internacional e tem a estratégia abrangente de evitar violações no futuro”. – Américo Ingalcaterra

Não obstante, o representante avalia a iniciativa brasileira como um grande avanço dos Direitos Humanos, a nível global, e incentivo aos demais Estados para que façam o mesmo. Devido a tamanha importância, o escritório das Nações Unidas foi posto à disposição da Comissão da Verdade para agilizar e assegurar todo o processo.

Apesar de toda a movimentação e entusiasmo frente o novo projeto, apenas em 2012,três anos após a criação da Comissão, esta foi devidamente instalada. A Comissão analisará violações de Direitos Humanos entre 1946 e 1988,não atendo-se exclusivamente ao governo militar.

O período analisado foi marcado por intensas transformações políticas, econômicas e sociais no cenário nacional e internacional. Além disso, caso ficasse restrito apenas ao Governo Militar, a Comissão correria o risco de perder a sua postura imparcial, transformando-se em uma perseguição política implícita.Sendo assim, é revelado o real interesse do governo federal em salvaguardar os Direitos Humanos internamente e tornar-se modelo para os demais Estados sul-americanos.

Site da Comissão da Verdade:

http://www.cnv.gov.br/index.php

Especialistas explicam para que serve a Comissão da Verdade, seus pontos positivos e negativos:

http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-painel/v/especialistas-explicam-para-que-serve-a-comissao-nacional-da-verdade/2583419/

Semana passada, a Comissão divulgou os resultados obtidos, após um ano desde sua implementação:

Direitos Humanos enquanto instrumento de Integração dos Estados:

O presidente alemão, Joachim Gauk, é considerado grande especialista na área de Direitos Humanos,sobretudo na questão referente à leis de Anistia e projetos como a Comissão da Verdade.

Ex-pastor e membro do grupo pacífico de resistência ao Comunismo na Alemanha Oriental, nasceu em 1944 e viveu grande parte de sua vida sob o regime ditatorial soviético. Após a queda do muro de Berlim e a unificação das duas Alemanhas, em 1989, foi incumbido de investigar as violações de direitos humanos ocorridos na Alemanha durante o período da Guerra Fria. Ao longo dos anos, construiu sua carreia política na Europa focada na positivação de Direitos Humanos.

Sua atuação como consultor internacional o levou a diversos países como Chile, Uruguai, Argentina, Ruanda e, recentemente, Brasil. O presidente também destacou a importância da iniciativa brasileira e ressaltou pontos relevantes para o funcionamento correto da Comissão da Verdade.

“Não há nada maior do que vivenciar a libertação” – Joachim Gauk

Na última segunda-feira, o presidente falou, em entevista ao Programa Milênio, sobre o assunto:

http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news/v/veja-na-globo-news-presidente-da-alemanha-joachim-gauck-fala-sobre-comissoes-da-verdade/2583868/

Leitura Complementar:

Lei de Anistia, Direito à Verdade e à Justiça: o Caso Brasileiro – Flávia Piovesan

http://interessenacional.uol.com.br/2012/04/lei-de-anistia-direito-a-verdade-e-a-justica-o-caso-brasileiro/

Para finalizar, algumas músicas que tornaram-se marcos na luta contra a ditadura militar no brasil:

A EFETIVIDADE DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) estruturado em 1969 com a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de San José, consiste dois instrumentos de controle: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Percebe-se que o Sistema não consegue reconhecimento da população, como um instrumento de defesa, e nesse sentido torna-se mais difícil a contribuição para assegurar o respeito aos direitos humanos nos países do continente americano.

A Comissão criada em 1960, possui a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos, fazendo recomendações aos Estados, averiguando denúncias e examinando petições individuais que contenham denúncias de desrespeito ao Pacto de San José. A Corte, por outro lado, foi criada de maneira facultativa, sendo que, é necessário que um Estado se submeta a sua jurisdição para que assim possua uma assinatura da Convenção e uma declaração dessa aceitação.

No tocante as discussões sobre o funcionamento do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, a preocupação central e constante é a questão da efetividade do Sistema. A cooperação interestatal é mais que necessária, contudo, é cada vez mais transparente a resistência dos tribunais e de outras esferas governamentais previstas nos tratados de direitos humanos. O Sistema europeu após 1998 incidiu a permitir que os particulares peticionassem diretamente à Corte Europeia de Direitos Humanos, de modo a garantir a correta aplicação de tais direitos, todavia no sistema interamericano isso ainda não é possível. O processo de reclamação individual diante de uma violação de direitos humanos perante a Comissão somente é iniciado se o direito violado estiver contido na Declaração Americana, ou na Convenção ou nos Tratados complementares, sendo que o Estado reclamado deve ser signatário da Convenção. Uma outra condição para efetivação do pedido é quando o Estado sozinho não consegue garantir o mínimo de igualdade a seus cidadãos, o que reforça a necessidade de um esforço internacional nesse sentido.

Partindo para uma visão local, um exemplo da efetividade do Sistema Interamericano de Direitos Humanos está representado no caso Brasil da Guerrilha do Araguaia. Esta guerrilha ocorreu entre 1972 e 1975, desenvolvido pelo Partido Comunista do Brasil, no qual o objetivo central era a derrubada do regime militar de modo a desencadear a Revolução Socialista no país. Contudo quando o Exército iniciou o ataque aos guerrilheiros, eles foram feitos prisioneiros e a ordem do comando militar era exterminar todos os envolvidos. O saldo final deste confronto foi aproximadamente 70 pessoas desaparecidas entre militantes do PCdoB e moradores da região. O vídeo apresentado mostra a condenação do estado brasileiro por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos que exige a abertura dos arquivos políticos e a reparação dos procuradores que executaram no Araguaia pessoas que eram contra a ditadura.  A Corte deu um prazo de 1 ano para iniciar as investigações e ações penais.

Confira!!!

A guerrilha do Araguaia

Fontes:

< http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo12.php?artigo=12%2Cartigo_02.htm>

< http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/dint/article/view/5650/4684>

<http://www.unicruz.edu.br/seminario/artigos/sociais/O%20ACESSO%20%C3%80%20JUSTI%C3%87A%20UMA%20AN%C3%81LISE%20DO%20SISTEMA%20INTERAMERICANO%20DE%20PROTE%C3%87%C3%83O%20AOS%20DIREITOS%20HUMANOS.pdf>

<http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/multimidia/araguaia/mapa_01.swf>

 

Sistemas regionais de DH – Tratados

Nos últimos quarenta anos, os sistemas regionais de Direitos Humanos criaram diversas ações sociais, políticas, econômicas e ambientais com o objetivo de prover melhores condições de vida à população de todos os Estados.

O processo de integração propicia aos Estados à busca de valores e premissas comuns. Sendo assim, uma instituição intergovernamental é o resultado do entendimento dos Estados frente ao que consideram pertinente ao seu povo, sua política internacional e suas aspirações enquanto Estado.

Nas Américas, o sistema regional de Direitos Humanos alargou o entendimento das premissas já existentes e ampliou o raio de suas ações, abrangendo pequenos Estados como St. Kitts & Nevis, perpassando por emergentes, como Brasil, e alcançando a potência norte-americana.

A Carta da Organização dos Estados Americanos, muito bem redigida, explicita os direitos e deveres dos Estados membros afirmando sobre a igualdade jurídica e objetivando a construção de um ambiente pacífico e propicio ao desenvolvimento socioeconômico das Américas como um grupo.

Os tratados assinados ao longo das últimas décadas positiva a busca por tais aspirações e estreitou os laços diplomáticos entre diversos países. Com os avanços científicos e tecnológicos oriundos do mesmo período, os Direitos Humanos enquanto matéria ganhou nova abordagem e novas premissas, as quais eram diretamente proporcionais às constatações referentes ao meio ambiente, tecnologias, doenças e distúrbios, dentre outros.

Os tratados mais pertinentes para as Américas foram selecionados e estão listados abaixo:

Declaração Americana dos direitos e deveres do homem (1948)

Adotada na Nona Conferência Internacional dos Estados Americanos em Bogotá, Colômbia, a Declaração foi o primeiro documento internacional a listar os direitos  universais do homeme a proclamar a necessidade de proteção desses direitos. Difere-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, a declaração inclui tanto os direitos humanos e os deveres que os indivíduos têm com a sociedade. Tais direitos constam no primeiro capítulo da declaração incluindo direitos civis e políticos, econômicos e os direitos sócio-culturas.

Já os deveres constam no segundo capítulo, incluindo obrigações para a sociedade, para com as crianças e seus pais, para receber instrução, para votar, para obedecer a lei, para servir a comunidade e a nação, com respeito à segurança social e ao bem-estar, etc.

“Cláusula Geral de limitação”: Essa cláusula, contida na declaração, determina que “os direitos de cada pessoa são necessariamente limitados aos direitos dos outros, pela salvaguarda de todos, e pelas demandas justas do bem-estar geral em uma sociedade democrática”.

Convenção interamericana de Direitos Humanos  (1969)

Tratado aplicado somente às nações que o assinaram, entrou em vigor em 1978, com intuito de reforçar a Declaração Americana dos Direitos Humanos e Deveres do Homem.  É focada nos direitos humanos civis e políticos. A partir dela criou-se a Corte Interamericana de Direitos Humanos. É importante ressaltar que há nela uma “clausula geral de limitação” que declara que os direitos de cada pessoa são limitados pela salvaguarda de todos.

Declaração de Cartagena sobre Refugiados (1984)

Adota por dez Estados Latino-Americanos, a declaração contem uma ampliação do conceito de refugiado encontrada na Convenção sobre refugiados da ONU de 1951. Tal definição foi aprovada pela OEA em 1985. Não possui caráter formal, mas tornou-se a base politica para refugiados da região e tem sido incorporada pela legislação nacional de muitos países.

Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura (1985)

Entrou em vigor em 1987, e dá definição aos atos de tortura e os dá como ilegais, e não isenta o torturador, que declara ter recebido ordens, de ser processado. Nada justifica a tortura e por isso os países que a assinam incluem a tortura na lista de crimes que concorrem à extradição.

Protocolo de San Salvador: Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos na área dos direitos econômicos, sociais e culturais (1988)

Entrou em vigor em 1999, este protocolo tem como foco a obrigação dos Estados na promoção dos direitos humanos sociais, econômicos e culturais, tais como aqueles relativos às leis trabalhistas, das áreas da saúde, educação, economia, família, infância e terceira idade etc. O protocolo adicional mostra que os Estados podem cumprir essas obrigações por meio de legislação efetiva, reforçando medidas de proteção e contenção da discriminação.

Protocolo para a Convenção Americana de Direitos Humanos para abolir a Pena de Morte (1990)

Os Estados que assinam esse protocolo (qualquer nação que faz parte da Convenção Americana de Direitos Humanos) concordam em eliminar a pena de morte, embora possam declarar, apesar da assinatura, a intenção de manter a pena de morte em tempos de guerra para graves crimes militares de acordo com as leis internacionais. Nessa situação, o Estado deve informar a Assembleia Geral da OEA essa intenção  do uso da pena de morte em tempos de guerra.

Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994)

Primeiramente, a Convenção define desaparecimento forçado quando um agente de Estado, um indivíduo ou um grupo, sob o conhecimento e consentimento do Estado, priva de liberdade uma pessoa e não comunica essa privação, impedindo, inclusive, o acesso dessa pessoa a qualquer ajuda legal.

Os Estados ratificantes concordam em condenar esse desaparecimento forçado e em punir aqueles que cometem tal crime. “Missão militar” e “seguindo ordens” não podem ser razões/desculpas para evitar a punição, mesmo em tempo de guerra.

A Convenção também define os direitos daquelas vítimas de desaparecimento forçado.

Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir, Erradicar a Violência contra a Mulher (1994)

Define a violência contra a mulher baseada no gênero, afetando o bem-estar físico, sexual e psicológico da mulher. Lista os direitos das mulheres as livrando da violência tanto na esfera pública quanto privada, defendendo da discriminação.

Os Estados partes se responsabilizam de não cometerem esse tipo de violência, de prevenirem a ocorrência, de oferecerem recursos legais justos e de promoverem a conscientização social e a aceitação cultural desses direitos.

Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999)

A Convenção foi adotada em 7 de junho de 1999 e se coloca a favor da plena integração dos deficientes à sociedade. Propõe um Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra pessoas deficientes após a ratificação do Tratado. Este Comitê reúne-se de 4 em 4 anos para avaliar os relatórios dos Estados signatários no intuito de cumprir as medidas para eliminação da discriminação.

Proposta de Declaração Americana para os Direitos dos Povos Indígenas (1997)

De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que aprova a Declaração em 26 de fevereiro de 1997, os povos indígenas são portadores de direito, incluindo o direito de pertencer a uma comunidade indígena e a liberdade da não aceitação da assimilação forçada e da não discriminação. O Estado obriga-se, nesse sentido, a assegurar que os indígenas recebam educação e proteger terras indígenas.

Direitos Humanos e Meio Ambiente (2003)

A Declaração adotada em 10 de junho de 2003 encoraja a interação entre a OEA (Organização dos Estados Americanos) e outras organizações internacionais, promovendo a cooperação entre instituições de direitos humanos e o meio ambiente da OEA através de relatórios sobre a situação do meio ambiente entre os Estados membros da OEA.

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O artigo seguinte, da Doutora em Direito pela PUC-SP e Professora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas, Fernanda Santinelli apresenta a necessidade de ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos por parte dos Estados em âmbito internacional, e o impasse destes mesmos Estados no tocante à ordem interna vigente. O decorrer do texto mostra alguns tratados (já citados previamente no atual post) assinados por Estados americanos e a infinidade de reservas que estes apresentam para que possam ratificar e cumprir tais tratados. Nesse sentido, percebe-se a dificuldade de construção de um sistema de proteção aos direitos humanos haja vista, o interesse dos Estados falar mais alto nesse cenário e a possibilidade de ratificar a Convenção sem obrigar o Estado o aceite da competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Segundo a autora, “a proteção aos direitos humanos no plano internacional ainda encontra outro obstáculo devido à falta de aplicabilidade imediata e direta das normas internacionais.”
Esse é um grande dilema em que o indivíduo, portador de direitos subjetivos, enfrenta no sistema internacional, porque para que haja uma efetivação destes direitos, ele depende do Estado, que na maioria das vezes, é o maior violador destes direitos.

Os direitos subjetivos no direito internacional dos direitos humanos

Nota:

A OEA comemora, hoje, 65 anos.

“Vinte e uma nações do continente americano assinam em 30 de abril de 1948 o protocolo que cria a OEA (Organização dos Estados Americanos). A nova instituição destinava-se, segundo seus princípios, a facilitar melhores relações políticas entre os seus Estados membros e, pelo menos para os EUA, servir como um bastião contra a penetração comunista no hemisfério ocidental.

A OEA foi constituída exatamente um ano depois da assinatura do Pacto do Rio, que estabelecia uma aliança militar defensiva entre os Estados Unidos e as nações da América Latina. Mas as repúblicas latino-americanas queriam algo mais substancial que uma mera aliança militar.”

Nos questionamos se a OEA continua com a mesma atuação e credibilidade de 65 anos atrás. No próximo post, trataremos da efetividade das Instituições regionais.

Confira!

Mais informações:

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/historia/28623/hoje+na+historia+1948+-+assinada+a+criacao+da+organizacao+dos+estados+americanos.shtml

Fonte:

http://www.hrea.net/learn/guides/OAS_pt.html

Direitos humanos para os americanos!

A partir desta semana, daremos início à série ” Direitos Humanos para os Americanos”, mostrando a importância e os avanços realizados através do Sistema regional interamericano de Direitos Humanos como instituição norteadora para os Estados membros.

Os Sistemas regionais são organismos de monitoramento criados pela ONU, consequência direta do sistema global e dos tratados internacionais de Direitos Humanos. Denominados “comitês, tais organismos têm por objetivo averiguar os relatórios produzidos por Estados- membros sobre as medidas adotadas internamente para promover e salvaguardar os direitos de sua população.

Também agem como mediadores e, sob certa ótica, propagadores do Universalismo, ao propiciarem o debate entre os Atores regionais e a criação de valores e condições socioeconômicas que possam servir como parâmetros de comportamento aos Estados.

Nas Américas, encontramos inúmeras instituições pertencentes ao sistema regional, o qual, por sua vez, está vinculado diretamente à OEA ( Organizações dos Estados Americanos). Segue abaixo a lista das instituições mais pertinentes:

 Comissão interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

A Comissão criada em 1959 é uma das entidades do sistema americano de proteção e promoção dos direitos humanos além de ser o principal órgão autônomo da OEA – Organização dos Estados Americanos[1]. Sendo assim todos os Estados membros da OEA são representados pela Comissão.

Estados membros (35):  ArgentinaBolíviaBrasilChileColômbiaCosta Rica, Cuba, EquadorEl SalvadorEstados Unidos da América, GuatemalaHaitiHondurasMéxicoNicaráguaPanamáParaguai, PeruRepública DominicanaUruguai e Venezuela (República Bolivariana da), BarbadosTrinidad e TobagoJamaicaGrenada, SurinameDominica (Commonwealth da)Santa Lúcia, Antígua e BarbudaSão Vicente e GranadinasBahamas (Commonwealth das)St. Kitts e NevisCanadáBelizeGuiana.

-Função: De acordo com o Art. 1 do Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – adotado pela Assembleia Geral da OEA – “A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um órgão da Organização dos Estados Americanos criado para promover a observância e a defesa dos direitos humanos e para servir como órgão consultivo da Organização nesta matéria.”

Em 1969, se aprovou a Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual define quais os direitos humanos que os Estados ratificantes se comprometem internacionalmente a respeitar e a dar garantias de cumprimento. No mesmo documento, foi criada a Corte Interamericana de Direitos Humanos, definindo as atribuições e procedimentos tanto para a Corte quanto para a CIDH.

Fonte: http://www.cidh.oas.org/comissao.htm

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Assim como a Comissão interamericana de Direitos Humanos, a Corte estabelecida em 1979 é um órgão autônomo, no caso jurídico, da OEA. Essas duas instituições do corpo de direitos humanos da OEA, são as duas principais instituições de proteção e promoção dos direitos humanos por todo o hemisfério Americano. Seu objetivo  é a aplicação e interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros tratados concernente  ao mesmo assunto.

Fonte:http://www.corteidh.or.cr/

Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH):

A Fundação é uma instituição a qual seu objetivo fundamental é “fortalecer a defesa dos Direitos Humanos na América Latina e defender indivíduos que sofreram violação de direitos internacionalmente reconhecidos.” Fonte: FidDH.
Foi fundada em 2003, por ex-presidentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com o fim de apresentar e acompanhar casos de violação dos direitos humanos junto à essa Comissão e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Funciona, também, como centro de estudo e de pesquisa, organizando cursos, palestras e seminários, com o intuito de formar pessoas e de divulgar experiências.

Fonte: http://fiddh-direitos-humanos.blogspot.com.br/p/quem-somos.html

Outras fontes: http://www.mp.ma.gov.br/arquivos/COCOM/arquivos/centros_de_apoio/cao_direitos_humanos/direitos_humanos/textos/sistemaInteramericano.htm

[1] “…criada para alcançar nos Estados membros, como estipula o Artigo 1º da Carta, “uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”.” Fonte: OEA http://www.oas.org/pt/

A notificação emitida pela Comissão interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, em 2012, referente ao caso do estudante Alexandre Vanuchi Leme e do jornalista Vladimir Herzog, ambos detidos pelo o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) e mortos após interrogatório,durante o governo militar, ilustra a atuação do órgão internacional no Brasil. O caso faz parte do movimento da Anistia e da comissão da verdade, os quais visam apurar violação de direitos humanos durante os anos de governo militar no país.

 

Fontes:

A importância dos Sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos e a implementação das decisões de responsabilização internacional do Estado: Breve análise do caso brasileiro ( CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós)

http://www.editoramagister.com/doutrina_24098176_A_IMPORTANCIA_DOS_SISTEMAS_REGIONAIS_DE_PROTECAO_DOS_DIREITOS_HUMANOS_E_A_IMPLEMENTACAO_DAS_DECISOES_DE_RESPONSABILIZACAO_INTERNACIONAL_DO_ESTADO_BREVE_ANALISE_DO_CASO_BRASILEIRO.aspx

 

Haiti – Um pequeno gigante

Haiti, um país de contrastes;

Em 2010, um forte terremoto abalou o Haiti, localizado na América Central, deixando um triste saldo de 250 mil feridos, 1,5 milhão de desabrigados e mais de 200 mil mortos.  A capital, Porto Príncipe, tão frágil quanto seu governo, transformou-se em uma pilha de escombros e destruição.

Após o acontecimento, a situação socioeconômica do país ganhou repercussão ao longo do mundo e gerou mobilização dos mais diversos atores como Estados e ONGs. A forma como as informações foram veiculadas, entretanto, ocasionaram algumas afirmações equivocadas sobre o Estado haitiano. Alguns atribuíram ao abalo sísmico a causa de todos os males da população local e outros afirmaram que tal situação deplorável sempre existiu. Ambas as partes basearam-se em determinados espaços temporais e, a partir disso, formaram suas respectivas opiniões.

O fato é que o Haiti é um país de contrastes. A sua história é peculiar, sua trajetória conturbada e sua afirmação enquanto Estado instável.

No lugar de turistas estrangeiros, soldados estrangeiros.

No lugar de turistas estrangeiros, soldados estrangeiros.

Entretanto, no meio de ruínas, escombros e sofrimento, reside um passado glorioso,com prosperidade econômica,premissas de liberdade e igualdade, e auxílio aos Estados Unidos e a Simon Bolívar.

Assim como todos os outros Estados americanos, o Haiti foi inicialmente uma colônia. Denominada originalmente como “Pérola das Antilhas”, foi descoberta por Cristovão Colombo, em 1497, e logo incorporada as possessões espanholas. Quase duzentos  anos mais tarde, em 1692, foi cedida à França e virou polo regional econômico e social.

A vocação agrícola da ilha era latente e respondia a demanda de café e açúcar a nível global, representando 40% da produção de açúcar mundial e 60% do café consumido na Europa. Devido a sua localização geográfica, os portos eram amplamente acessados por navios negreiros e colonizadores ávidos por adquirir mão-de-obra escrava.

Acompanhando o movimento revolucionário na Metrópole, em 1794, a ilha sofreu com a revolta de escravos e ao final do acontecimento, a abolição da escravatura se fez presente.Consequentemente, o fato repercutiu no restante das Américas, alarmando a elite e exaltando o ânimo dos abolicionistas.

Frente a esta situação, a França encontrava-se em um dilema. Devido a instabilidade interna, a França não tinha condições de arcar com a revolta dos escravos, deixando isso a cargo da elite local. Apesar de não possuir tais instrumentos, o grande ponto na postura adotada pelo governo Interino francês, estava baseado nas premissas liberais revolucionárias. Afinal, como apoiar e defender o regime escravocrata nas colônias, se lutavam contra um regime igualmente injusto em casa? Não obstante, como justificariam os fatos perante a Declaração dos direitos do homem e do cidadão?

A postura francesa revela um ponto ressaltado pelo professor Boaventura de Sousa Santos em seu artigo, publicado em 1997, sobre a concepção “multicultural de direitos humanos” e seus desafios frente à política. Apesar de sua tese ser baseada frente a dinâmica bipolar da Guerra Fria, ela pode ser abordada em outros acontecimentos históricos.

Em 1801, outro fato único aconteceu; Toussaint Louverture, ex-escravo, tornou-se governador geral e governou durante algum tempo, até ser capturado e morto por franceses sob ordens de Napoleão Bonaparte.A força de Coalização francesa, composta por 24 mil homens,  foi finalmente derrotada em 1803, por Jean Jacques Dessalines, e a constituição do novo Estado lida no dia 31 de Dezembro de 1803. O país recebera o nome indígena de Haiti.

Em outubro de 1804, Jean Jacques Dessalines subiu ao trono como imperador, apoiado por mercadores americanos e ingleses, oficializando o Estado haitiano como o segundo independente da América e o primeiro governado por um negro. Entretanto, a transação de colônia escravocrata para um Estado abolicionista, alterou drasticamente a dinâmica econômica regional. A agricultura de subsistência sobrepôs a produção canavieira, minando o crescimento da economia nacional.

Esta freada econômica aconteceria anos mais tarde. Nos anos iniciais, porém, a Monarquia haitiana ensaiou consideráveis movimentos diplomáticos com outros atores como Estados Unidos, ao enviar tropas para o norte do país durante a guerra civil, e pagar por sua independência e livrar-se do bloqueio comercial francês.

Com a primeira guerra mundial, os Estados Unidos decidem invadir o país sob o pretexto de proteção de seus interesses regionais. Durante três anos o país ficou sob domínio militar estadunidense, o qual projetou aspectos positivos e negativos. Se por um lado a ocupação atraiu investimentos e avanços estruturais, como ferrovias, por outro propiciou a lei de segregação racial.

Assim como na maior parte da América Latina, o Haiti sofreu vários golpes e ditaduras ao longo de sua história, muitos arquitetados em parceria com o governo estadunidense ou francês no intuito de salvaguardar interesses econômicos, políticos e sociais das potências ocidentais capitalistas.

Em 1957, o médico o François Duvalier, popularmente chamado de Papa Doc, foi eleito presidente da República. Apoiado pelos Estados Unidos, o presidente instaurou um governo ditatorial, responsável por inúmeras violações de Direitos Humanos, e criou milícias armadas que eram utilizadas como aparelho coercitivo governamental.

Sua política baseava-se no populismo, indo de encontro à elite mulata do país.

As ações da

As ações da “tontons macoutes” resultaram em mais de 30 mortes e 15 mil desaparecimentos.

Com a sua morte, em 1971, seu filho, Jean-Claude, com apenas 19 anos assume o poder, dando continuidade ao legado de seu pai. 15 anos após, Jean Claude fugiu do país levando uma grande quantia de dinheiro público.

Em 1990, outro golpe militar abalou as estruturas políticas nacionais. Desta vez, com o fim da guerra fria e sendo o liberalismo a política norteadora das grandes potências, o golpe foi amplamente rejeitado .Graças aos bloqueios, sanções e intervenções militares estadunidenses, o general Raul Cedras foi deposto em 1994.

O país foi entregue nas mãos do presidente Aristide, completamente enfraquecido devido aos embargos e sanções realizados pelos membros do Conselho de Segurança. Afinal, sanções e embargos são benéficos em casos assim? Um país que depende de ajuda humanitária há quase meio século e tem seu poder estatal amparado,atualmente, por instrumentos internacionais, liderado constantemente por ditadores e milícias….Seria o embargo econômico a melhor forma de garantir os direitos políticos e o bem-estar dos cidadãos? Se de um lado estão salvaguardando os direitos oriundos ao cidadão, de outro estão intensificando o sofrimento pré-existente.

Crianças na capital Porto Príncipe.

Minustah e o Brasil na ONU:

Em 2004, foi criada a Missão da ONU para o Haiti, MINUSTAH em francês, para substituir a força interina multinacional presente desde 1994 na capital. A missão tem como objetivo primário promover a ordem, a estabilidade, proteger os direitos humanos e assegurar o governo e sua legitimidade.

A situação enfrentada pelo país caribenho há muito faz parte da agenda externa do corpo diplomático brasileiro. Através do envio de mantimentos, homens e veículos, o Brasil destacou-se como membro da MINUSTAH devido ao excelente trabalho realizado pelo corpo diplomático, militares e demais profissionais brasileiros que integram a força de paz.

Tamanho esforço repercutiu no cenário internacional, propiciando ao Brasil o aprimoramento de sua postura mediadora frente à questões internacionais, pleitear um assento permanente no conselho de segurança e melhorar sua imagem frente aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Consequentemente,o comando da MINUSTAH pertence ao exército brasileiro.

Após o terremoto de 2010, o número de imigrantes legais e ilegais haitianos no Brasil, aumentou exponencialmente, requerendo do governo brasileiro uma postura ainda mais otimista e solidária frente a reconstrução do Haiti. A questão também proveu outro grande ponto para a discussão sobre as fronteiras brasileiras, rotas internacionais de tráfico e segurança territorial brasileira.

A reportagem abaixo ilustra a situação do país e o trabalho desenvolvido pelo exército brasileiro;

O programa ” Profissão Repórter” também esteve no país;

Outro caso interessante na cultura Haitiana, é sua religião; A população é praticamente de Vodu, religião de origem africana e cercada de miticismo. Em muitos países, é intrínseca a relação e a influência da religião nas estruturas sociais,políticas e econômicas do Estado.

No caso haitiano, a relação do vodu e a população é controversa, uma vez, que todos praticam, mas nem todos assumem. Outro ponto a ser ressaltado é que constantemente a situação socioeconômica é analisada a partir de um ponto vista místico; Se a colheita foi ruim, ou um terremoto acometeu o país é culpa dos sacerdotes que invocaram espíritos ruins ou não atenderam a vontade das entidades de forma satisfatória.

Tais afirmações perpassam por todas as camadas sociais, até mesmo entre embaixadores, professores e demais intelectuais:

“Acho que de, tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo… O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano lá tá f…”.  George Samuel Antoine, cônsul haitiano no Brasil.

 

Haitianas dançam em cerimônia Vodu.

No código penal haitiano são explicitados algumas práticas religiosas proibidas e passiveis de punição caso praticadas como, por exemplo, a criação de “zumbis”.

A epidemia de cólera assolou o país em 2010, após o terremoto. Com a rápida propagação da doença e o crescente número de mortes, muitos sacerdotes vodus foram assassinados sob a alegação de serem os causadores dos males no país.

Esta postura no minimo peculiar do Vodu remete-nos ao embate universalista x relativista dos direitos humanos, o qual Boaventura também aborda em seu artigo. Afinal, em uma localidade onde acredita-se que espíritos invocados causam os males existentes, como abordar direitos e deveres sob uma ótica ampliada?

Muitos projetos sociais são amparados ou montados por instituições religiosas com o intuito também de catequizar a população, o que, eventualmente, cria um choque cultural na população.

Sendo assim, para que forças estrangeiras atuem de maneira satisfatória no país e promova seu desenvolvimento, é necessário uma discussão intercultural, sendo pautada pela hermenêutica diatópica, a qual leva em conta as diferenças e semelhanças culturais de cada povo. Uma abordagem pautada por este método pode ser deturpado para fins hegemônicos, sendo necessário certas atitudes para que isto seja evitado.

Segundo Boaventura, existem dois imperativos multiculturais responsáveis por guiar a hermenêutica diatópica para longe dos objetivos hegemônicos; O primeiro seria a escolha de uma cultura que tenha por fundamento ampliar a reciprocidade de Direitos Humanos, destinando-os ao maior número de indivíduos possível. Neste caso, a atuação brasileira no Haiti ocorre de forma exemplar.

O segundo ponto seria a igualdade sob análise de fator benéfico ou prejudicial para determinado grupo social. Benéfico quando a igualdade os unem e maléfico quando os descaracterizam. O vodu, por exemplo, faz parte da cultura haitiana não podendo ser descartado ou ignorado por políticas públicas ou assistencialistas.

Afinal, sendo relativistas ou universalistas, eles querem apenas seus direitos;

Um vídeo muito interessante, o qual nos faz pensar sobre o Multiculturalismo; Jovens Haitianos lendo “problemas” e reclamações cotidianas, publicadas no twitter, por jovens de países desenvolvidos.

Artigo:

PorumaConcepcaoMulticulturaldeDIreitosHumanosBoaventura

fontes:

http://www.onu.org.br/novo-general-brasileiro-e-nomeado-comandante-da-forca-de-paz-da-onu-no-haiti/

http://www.exercito.gov.br/web/haiti

http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1444556-5602,00-BRASIL+ATUA+NO+HAITI+HA+CINCO+ANOS.html

http://www.cartacapital.com.br/internacional/haiti-historia-de-um-genocidio-e-de-um-ecocidio/

http://redeglobo.globo.com/acao/noticia/2012/10/historia-do-haiti-e-marcada-por-conflitos-ditaduras-e-instabilidades.html

http://professorefrain.blogspot.com.br/2010/01/terremoto-devasta-populacao-haitiana.html

http://g1.globo.com/Sites/Especiais/Noticias/0,,MUL1458708-16107,00-RELIGIAO+DOMINANTE+NO+HAITI+VODU+MISTURA+ELEMENTOS+CRISTAOS+E+CRENCAS+AFRIC.html

http://noticias.terra.com.br/mundo/na-polemica-do-vodu-lei-haitiana-proibiria-criacao-de-quotzumbisquot,047894c8b47da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI116294-15227,00.html

http://constituicaoedemocracia.com/2013/03/15/a-concepcao-multicultural-de-direitos-humanos-de-boaventura-de-sousa-santos-a-hermeneutica-diatopica-como-caminho-para-o-dialogo-intercultural/

http://www.cartacapital.com.br/internacional/haiti-historia-de-um-genocidio-e-de-um-ecocidio/

SANTOS, Boaventura de Sousa. “Por uma concepção Multicultural de direitos Humanos”. Revista Crítica de Ciências Sociais. Nº 46. Junho de 1997

Entre direitos e Direitos

Desde sua inserção no Sistema Internacional, os Estados Unidos pregam, através de inflamados discursos, ideias e valores de liberdade, igualdade e Democracia. Utilizam de sua história e Constituição para posicionarem-se como exemplos a serem seguidos pelos demais Estados, e sentem-se maculados quando algum não o faz.

Os estadunidenses consideram como dever moral e cívico propagar tais ideais, preferencialmente fora de seu próprio país, influenciando diretamente a política externa adotada. Entretanto, a primeira, de muitas, controvérsias da sociedade americana encontra-se justamente neste ponto; Apesar de seus ideais permearem as decisões tomadas no âmbito internacional, grande parte da sociedade abstém-se de participar das discussões, dando espaço à ativistas e grupos de pressão agirem em nome da população. O lobby realizado por Israel, por exemplo, é capaz de assegurar à população americana a importância da relação político- militar entre os dois Estados, uma vez que, supostamente, possuem interesses praticamente idênticos.

Ou, como diriam “The Clash”:

Now the king told the boogie men
You have to let that raga drop
The oil down the desert way

Não obstante, a rixa existente entre Democratas e Republicanos, partidos americanos que polarizam o poder, interferem diretamente nas decisões e ações governamentais dentro e fora do país. Consequentemente, a relação entre o poder executivo e o poder legislativo tende a causar instabilidade, alternando entre unilateralismo e multilateralismo em curto espaço de tempo.

Tamanha instabilidade já resultou em políticas claramente imperialistas, na qual os militares americanos tiveram mais importância do que o próprio corpo diplomático. Nos últimos vinte anos, o país realizou incursões militares desastrosas no Oriente Médio e África, causando grandes déficits econômicos, sociais e políticos e colocando em dúvida a fundação moral de sua política externa. Iraque, Somália, Afeganistão e Guantámano são grandes exemplos disso.

Com uma postura claramente realista, onde “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, a potência norte-americana atropelou as resoluções da ONU em diversas ocasiões e violou direitos de Estados e cidadãos ao tentar garantir sua segurança, a declarada “guerra ao terror”, ou salvaguardar direitos ocidentais em regiões onde o relativismo impera sobre o universalismo.

Depois de seguidos fracassos e repúdio por parte da comunidade internacional, a população americana, cansada de tantas baixas, resultados insuficientes, respostas vagas por parte do Departamento de Estado e assolada por crises econômicas, começou a reprovar tais medidas, forçando o governo Barack Obama a retirar grande parte das tropas do Iraque e Afeganistão.

Os apelos não vieram apenas de passeatas e manifestações de ex-combatentes e suas famílias, mas, também, através de duras críticas por parte do meio artístico.

Agora, o Iraque que os Estados Unidos deixaram para trás está melhor do que aquele sob o governo de Saddam Hussein? Armas de destruição em massa não foram encontradas, o país está nas mãos de um governo fraco e corrupto e sua economia é praticamente inexistente.

A Somália foi outra dura realidade para as tropas americanas. Durante a guerra civil no país, entre 1992 e 1994, milhões de civis foram mortos, em combate ou devido à miséria extrema. Com o intuito de intervir e parar o genocídio, a ONU optou pelo envio de força militar ao país a fim de assegurar a estabilidade e formar um novo governo. Devido a complicações no envio de alimentos e mantimentos, os Estados Unidos decidiram, então, capturar um dos líderes da Aliança Nacional Somali, o general Muhammed Farah Aideed. O que era para ser, até então, uma incursão direta e precisa, transformou-se em uma batalha no centro da capital Mogadíscio, deixando um considerável saldo de mortos e feridos, grande parte somalis. Dois helicópteros Black Hawk foram abatidos e dezenas de veículos avariados.

O episódio ficou conhecido como “A primeira Batalha de Mogadíscio” e registrada no livro “Black Hawk Down: A story of modern war”, escrita por Mark bowden. Em 2001, Ridley Scot reproduziu a história no cinema e a história ganhou o mundo.O episódio foi considerado o combate urbano mais violento desde a guerra do Vietnã.

Guantámo: O lado negro da política americana

Localizada na Base Militar norte americana, o Campo de Detenção da Baía de Guantánamo (Guantánamo Bay Detention Camp) foi aberta em 2002 após o atentado de 11 de setembro. Os Estados Unidos assume o domínio dessa área, no sudeste cubano, desde 1903. Mesmo com a pretensão de Obama de fechar a base em 2012, a mesma  prossegue em funcionamento sendo alvo de grande críticas e acusações. Em dez anos, a prisão chegou a abrigar cerca de 750 suspeitos de terrorismo sujeitos à torturas e violações de seus direitos fundamentais. De acordo com depoimentos de ex prisioneiros, durante o confinamento, os forçavam à ficarem em posições humilhantes, submetidos a torturas psicológicas, físicas, dentro outras.
A pressão da sociedade internacional é grande e as ONG’s como Anistia Internacional, exercem papel muito importante.

Guantánamo – Terra

Dicas para o assunto:

Guerra ao terror: Bagdá, 2003. Roy Miller (Matt Damon) lidera uma equipe, a serviço da inteligência do exército, em busca de armas de destruição em massa no Iraque. Depois de algumas tentativas frustradas, o militar se vê diante de um cenário caótico entre seus compatriotas, o que o deixa dividido entre aplacar o anseio do governo de encontrar algo que justificasse a invasão ou descobrir a verdade dos fatos.

fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-129054/

Rede de Mentiras: Roger Ferris (Leonardo DiCaprio) trabalha para o serviço secreto dos Estados Unidos, realizando serviços em locais perigosos ao redor do planeta. Seu principal contato na CIA é o veterano Ed Hoffman (Russell Crowe), que costuma realizar seu serviço usando o laptop e o telefone. Hoffman está agora no encalço de um líder terrorista, que planejou a explosão de uma série de bombas. Para desmascará-lo Ferris precisará se embrenhar em um mundo pouco conhecido, onde percebe cada vez mais que a confiança é, ao mesmo tempo, perigosa e o único meio de sair vivo da situação.

fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-127877/

Guerra ao terror: JT Sanborn (Anthony Mackie), Brian Geraghty (Owen Eldridge) e Matt Thompson (Guy Pearce) integram o esquadrão anti-bombas do exército americano, em ação em pleno Iraque. Eles trabalham na destruição de um explosivo, fazendo com que seja detonado sem que atinja alguém. Entretanto, um erro faz com que o artefato exploda e mate Thompson. Em seu lugar é enviado o sargento William James (Jeremy Renner), que possui grande sangue frio em ação. Isto gera alguns desentendimentos com Sanborn, que o considera irresponsável. Apesar disto, o trio segue na ativa, tendo consciência de que cada dia concluído de trabalho é um dia a mais de vida.

fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-123021/

Caminho para Guantánamo: 10 de setembro de 2001. A mãe de Asif Iqbal (Afran Usman), um jovem de 19 anos, retorna do Paquistão anunciando que encontrou uma noiva para ele. Nove dias depois Asif segue para o Paquistão, para encontrá-la e também conhecer a terra de seus pais. Asif convida Ruhel (Farhad Harun), Shafiq (Riz Ahmed) e Monir (Waqar Siddiqui), seus amigos, para acompanhá-lo. Em Karachi, após 2 dias de viagens turísticas, eles vão rezar em uma mesquita. Lá ouvem de um líder local que o Afeganistão precisa de voluntários, o que faz com que sigam para Kandahar. Porém a cidade logo é bombardeada pelos americanos, como represália pelos atentados terroristas de 11 de setembro. Eles tentam retornar ao Paquistão, mas Monir desaparece e os demais são capturados pelas forças aliadas. É o início de uma série de torturas que os amigos sofrem, já que ninguém acredita que são turistas europeus. Em janeiro de 2002 eles são enviados à prisão americana de Guantanamo, em Cuba, onde durante 2 anos e meio tentam convencer os guardas sobre suas verdadeiras identidades.

fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-109821/

Livros:

” Black Hawk Down: A story of modern war” – Mark Bowden

“101 dias em Bagdá” – Asne Seierstad

Artigo:

Direitos Humanos e Política Externa dos Eua – Luciana Jordão da Motta Armiliato

Direitos Humanos e Política Externa dos Eua

Fontes:

Direitos Humanos e Política Externa dos Eua – Luciana Jordão da Motta Armiliato

http://www.forte.jor.br/destaque/15-anos-da-batalha-de-mogadiscio-parte-1/

Entre embates e debates

Desde que entrou na agenda internacional, a matéria de Direitos Humanos tem servido como palco de intensos debates. Atores internacionais explicitam diversas visões sobre o assunto, desde sua formação até sua aplicação, perpassando por questões como fundamentação, soberania, políticas de Estado, aplicação, entre outros.

Este post tem por finalidade elucidar o debate entre Universalismo e Relativismo, o qual aborda o tema a partir da fundamentação de direitos, sob uma ótica antropológica.

Antes de o tema ser abordado, é necessário que os termos “relativismo” e “universalismo” sejam bem definidos;

re.la.ti.vis.mo
sm (relativo+ismo1 Caráter, estado ou qualidade de relativo. 2 Filos Doutrina segundo a qual todo conhecimento é relativo. 3 Filos Doutrina segundo a qual a ideia de bem e de mal é variável conforme o tempo e a sociedade.

universalismo 
u.ni.ver.sa.lis.mo
sm (universal+ismo1 Universalidade. 2 Tendência para a universalização de uma ideia ou obra. 3 Cosmopolitismo. 4 Filos Doutrina que admite, como critério da verdade, o consenso universal.

A definição do Dicionário Michaelis, da língua portuguesa, indica claramente a perspectiva teórica de cada grupo sobre Direitos Humanos. Os textos e demais materiais anexados ao post proverão detalhes, aprofundamento, premissas e sua influência acerca do debate na positivação dos Direitos Humanos, sob uma ótica globalizada.

A grosso modo, pode-se afluir que os Comunitaristas relativizam o assunto ao afirmar que direitos fundamentais estão intrinsecamente ligados à história e cultura de cada sociedade, sendo difícil a criação de valores globais, uma vez que, tais valores poderiam ir de encontro às crenças e costumes previamente estabelecidos por determinado grupo social.

Aos liberais, tal questão é improcedente, já que o homem é naturalmente dotado de identidade e razão, e a formação de sociedade dá-se apenas pelos benefícios acarretados por ela.

Em sua dissertação, o Professor Leandro de Alencar Rangel, membro do corpo docente do Centro Universitário UNI- BH, aborda o embate entre os grupos de maneira conclusiva e de fácil entendimento.

Somado à dissertação, é disponibilizado a visão da professora, e procuradora do Estado de São Paulo, Flávia Piovesan e sua perspectiva universalista, fundamentada na solidificação de uma jurisprudência global sobre Direitos Humanos.

Em uma ótica regional, o professor Ricardo Sanin, da Universidade de Bogotá, Colômbia, aborda o pensamento latino americano sobre o tema.

 

DIPLOMACIA JUDICIÁRIA

Direitos Humanos terão jurisprudência global

Por Maurício Cardoso e Alessandro Cristo

Flávia Piovesan - Spacca

Apesar de o Direito Internacional viver espremido entre as diferenças culturais dos povos e um padrão mínimo de garantias fundamentais essenciais ao ser humano, a professora e procuradora do Estado de São Paulo Flávia Piovesan aposta na solidificação de uma jurisprudência global sobre Direitos Humanos. Para tanto, a ausência de uma força militar que garanta a efetividade das decisões das cortes internacionais não faz tanta falta. A credibilidade que as cortes regionais — como a Europeia, a Interamericana e a Africana — já têm  é meio caminho andado, acredita. “O Estado de Direito é aquele em que o ‘poder desarmado’, que é o Judiciário, tem a última palavra. Não é a faca, não é a bala, é a caneta, o que pode ser ampliado a todas as esferas: local, regional e global.”

A visão otimista é de uma estudiosa que tem dedicado a vida a pesquisar os Direitos Humanos. Professora doutora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Paraná, Flávia Piovesan divide seu tempo entre a Procuradoria do Estado de São Paulo, as aulas no Brasil e palestras e estudos ao redor do mundo pela Organização das Nações Unidas. Seu trabalho foi reconhecido este ano pela comunidade jurídica, que cogita seu nome para ocupar uma possível vaga a ser deixada pela ministra Ellen Gracie no Supremo Tribunal Federal. Em entrevista à Consultor Jurídico, no entanto, a procuradora disse não acreditar que vai ser convidada para ser ministra. “Meu compromisso é com os Direitos Humanos, área em que tenho competência para trabalhar. Tenho que aprender muito ainda para lidar com as outras áreas.”

A procuradora explica que a aceitação multilateral de uma Justiça global passa por uma redução da disparidade econômica entre as nações. Um desenvolvimento menos desigual entre os povos, nesse caso, garantiria vantagens econômicas e sociais de uma forma geral, contrariando a velha máxima de que, para haver ricos, é necessário que haja pobres. Segundo Flávia, o mundo chegou a um ponto da História em que as plataformas econômicas e sociais começam a convergir.

No campo dos Direitos Humanos, o ganho é ainda maior. Temas que antes eram reputados como de competência exclusiva de políticas públicas, como o combate à pobreza, ganham espaço nas definições quanto aos direitos fundamentais do homem. “A pobreza já foi vista como crime de vadiagem. Hoje, há projetos que tentam colocar a pobreza como violação aos Direitos Humanos. Direitos sociais devem ser vistos como direitos, não como generosidade, compaixão ou caridade”, afirma a especialista.

Flávia considera que a falta de recursos financeiros é um dos fatores que mantêm o abismo entre a população e o Judiciário. Segundo a procuradora, apenas 30% dos brasileiros têm acesso à Justiça, a maioria deles das regiões Sul e Sudeste, onde as taxas de Índice de Desenvolvimento Humano são as maiores do país. “Isso tem haver com educação e percepção dos direitos.” Flávia é favorável a ações afirmativas como a Lei de Cotas para negros nas universidades públicas. O fato de 74% dos pobres serem afrodescendentes, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, são motivo suficiente para a tomada de medidas que abram acesso imediato a centros de pesquisa e de discussões intelectuais a esses desprestigiados.

Em entrevista à Consultor Jurídico, a procuradora também comentou a recente abertura do Supremo Tribunal Federal aos temas ligados aos Direitos Humanos e se disse devota da proposta de revisão da Lei de Anistia. 

Leia abaixo a entrevista.

ConJur — A senhora está entre os nomes cogitados para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Acredita que vai ser convidada para a próxima vaga aberta? 
Flávia Piovesan 
— Não. Eu fico muito honrada com a possibilidade, mas meu compromisso é com os Direitos Humanos, área em que tenho competência para trabalhar. Tenho que aprender muito ainda para lidar com as outras áreas.

ConJur — A agenda do Supremo dá o espaço necessário a temas ligados aos Direitos Humanos? 
Flávia Piovesan — Há seis anos, uma pesquisadora norteamericana que acompanha o trabalho das cortes supremas brasileira e argentina na temática dos Direitos Humanos me indagou quais eram as principais discussões dessa natureza no Brasil e eu fiquei constrangida em perceber que poucos eram os casos impactantes referentes a direitos fundamentais que já haviam sido enfrentados pelo Supremo. Mas isso mudou. A pauta do Supremo se torna cada vez mais instigante nesse sentido. Temas afetos à cidadania chegam com grande voracidade à corte. Hoje, há debates como a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, violência contra a mulher, uso de células-tronco embrionárias em pesquisas, união homoafetiva, direito à informação e acesso aos arquivos do período do regime militar, reclamados em ação contra a Lei 11.111/05, que criou documentos ultra-secretos.

ConJur — Por que houve essa mudança de cenário? 
Flávia Piovesan — Reputo a três fatores. Um é a extensão da legitimação para o uso de institutos como a Ação Direta de Inconstitucionalidade. O rol dos legitimados para entrar com essas ações foi ampliado. Outro fator foi a maior agilidade e transparência do Supremo. A TV Justiça, por exemplo, tornou o tribunal mais palpável, o que encoraja a sociedade a provocar mais a corte. O terceiro fator são as audiências públicas e a figura do amicus curiae.

ConJur — Foi um despertar tardio? 
Flávia Piovesan — Nós tivemos a transição política em um ritual lento e gradual em direção à democracia. Vários países, quando fizeram o mesmo ritual de passagem, fortalecem suas instituições, criaram novos textos e também novas cortes constitucionais. Nós não. Adotamos um pacto jurídico que é a Constituição, mas não alteramos, na ocasião, o órgão guardião da Constituição. Ele foi herdado do passado, com as suas potencialidades e heranças de épocas sombrias, ditatoriais. Teve uma composição marcadamente civilista, com a liderança do ministro Moreira Alves que, no entanto, nunca viu o tema com o coração aberto, com um sentimento constitucional. Mudamos tudo com a Constituição, mas a entregamos a um guardião antigo. Esse novo órgão renasce hoje — talvez a partir da reforma [a Reforma do Judiciário, promulgada pela Emenda Constitucional 45/04] — com uma nova configuração, uma nova composição. Como professora de Direito Constitucional, fico muito feliz em debater temas sobre os quais as únicas referências eram de cortes de outros países. Hoje é o nosso Supremo quem está fazendo a diferença.

ConJur — O Judiciário ganhou importância na medida em que o Legislativo perdeu crédito?
Flávia Piovesan — Em certo grau, sim. Há temas que se deslocam da arena do Legislativo para a arena jurisdicional. A união homoafetiva, por exemplo, é um tema que não ganhou consenso no Legislativo, por isso foi para a esfera jurisdicional. A Lei de Anistia, que tanto se falou em revisão, mas não houve acordo, foi ao Judiciário por meio de ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] do Conselho Federal da OAB. Sempre que grupos humanitários se sentem derrotados no Legislativo, vão ao Supremo. O próprio presidente do Senado Federal reconheceu que o poder não convive com o vácuo. Esses temas acabam sendo enfrentados em outra arena.

ConJur — O Judiciário ocupa esse lugar adequadamente? 
Flávia Piovesan — Sim. É fascinante ver uma líder indígena tomar a palavra em uma audiência e fazer sustentação oral, como no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol. Este é um Supremo muito mais accessível e transparente. Os indígenas, embora não estejam no rol de legitimados para propor ADI, chegaram à corte por meio de Ação Popular. Foram ao Supremo como cidadãos, para o exercício de um direito político.

ConJur — É possível haver uma jurisprudência internacional sobre Direitos Humanos? 
Flávia Piovesan — Há dois extremos nesse debate: aqueles que sustentam ser a cultura a fonte dos direitos e aqueles que sustentam ser o valor da dignidade humana, esse mínimo ético irredutível que seria compartilhado, em maior ou menor grau, por todos. De um lado estão os universalistas, que pregam a existência de uma moral universal, e do outro, os relativistas, que entendem que isso é uma visão eurocêntrica e que, na verdade, diante do pluralismo cultural, cada cultura teria o seu próprio sistema de valores e de moralidade. Há também posições intermediárias, assim como universalistas chamados de radicais, fortes ou fracos. Eu me reputo como uma universalista, não etnocêntrica, mas pluralista e aberta ao diálogo intercultural. Para termos um entendimento correto, nós temos que passar da lente que demarcou o “pós 11 de setembro”, que era o choque civilizatório, para o “dialogue civilization”.

ConJur — Como as cortes internacionais podem fazer cumprir suas decisões? 
Flávia Piovesan — Há uma crítica ao Direito Internacional de que ele não teria garras e dentes, capacidade satisfatória. Hoje, há um crescente processo em que o Direito Internacional passa a adquirir garras e dentes, com a criação de cortes internacionais, como o Tribunal Penal Internacional, a Corte Européia e a Corte Interamericana. Nas cortes regionais, por exemplo, como a Europeia, a Interamericana e a Africana, como a base regional é mais uniforme, há um grau maior de legitimidade. Hoje o tema do Direito Constitucional é essa crescente abertura ao diálogo, inclusive com outras jurisdições. É comum na Europa a corte espanhola se fundamentar em julgados da corte alemã, ou o tribunal português fazer menção a julgados da corte espanhola.

ConJur — O Brasil está no mesmo caminho? 
Flávia Piovesan — O sistema interamericano está em uma posição intermediária, assim como o sistema africano, mais debilitado e mais recente também. Há insistentes esforços para a criação do sistema asiático e árabe. Na África, há o caso do Sudão, que se nega a cumprir ordens do Conselho de Segurança da ONU de entregar genocidas. A Justiça internacional, na figura do Tribunal Penal Internacional, deveria combater a impunidade de crimes como esses, mais graves. Hoje, os únicos quatro casos que há no TPI são do Congo, Uganda, República Centro-Africana e Sudão. São países que tiveram uma descolonização muito recente. Em 1945, havia apenas dois países na África. Hoje, depois que a ONU foi criada, há mais de 54. Mas a Justiça não pode ser seletiva. Não pode haver qualquer sombra de neocolonialismo.

ConJur — O fim da prisão em Guantánamo é um passo nessa direção? 
Flávia Piovesan — Estou à espera da concretização da plataforma Obama, que fez questão de ter como primeiro ato público o aviso ao mundo sobre o fechamento de Guantánamo, prisão que simboliza a negativa da lógica dos Direitos Humanos. Os acusados nem têm ideia do porquê estão lá. Não têm acesso a advogados, ao contraditório, à ampla defesa ou ao devido processo legal. O fechamento de Guantánamo significa não só a restauração da legalidade do Estado de Direito, esse despertar para a razão pública, mas também simboliza o fim da era Bush, aquela ideia do Ato Patriota, que é expressamente a negativa de direitos ao chamado combatente inimigo, com a autorização para interrogatórios duros e tortura moderada. O fechamento de Guantánamo, em outras palavras, significa tortura nunca mais.

ConJur — Guantánamo foi tratado pela comunidade internacional com condescendência? Sob esse prisma, a reação dos africanos às decisões da ONU não é compreensível? 
Flávia Piovesan — Houve derrotas importantes sofridas por Bush no Judiciário americano, que invalidaram os tribunais militares de Guantánamo. O papel do Judiciário foi decisivo para coibir os piores abusos. Os Estados Unidos também sempre obstaram juridicamente que o assunto fosse discutido na Corte Interamericana.

ConJur — Essa disparidade de tratamentos entre diferentes nações não é um exemplo de que uma atuação efetiva de um tribunal internacional ainda está longe de acontecer? 
Flávia Piovesan — Estamos assistindo a um esforço embrionário de criação da Justiça internacional no campo penal. Eu me recordo de quando dava aulas em 1994 e falava sobre a campanha mundial da Anistia Internacional para a criação do Tribunal Penal Internacional. Nem os mais otimistas imaginariam que, em 1998, haveria consenso para que ele fosse criado e que, já em 2002, já tivessem as 60 ratificações necessárias ao Estatuto de Roma. Há um grande desafio do TPI para firmar a sua identidade nestes primeiros anos. Durante esse início, ele deve atuar com firmeza, integridade e ética para ganhar credibilidade. É instigante pensar que 108 Estados já aderiram ao estatuto, sendo que ainda não há um julgado ou sentença, apenas ordens de prisão esparsas. Aos que criticam, eu digo que é isso ou a lei da selva, ou é isso ou é a lei de Darwin, é o forte contra os fracos. O multilateralismo, por mais debilidades e limitações que tenha, também tem algumas potencialidades e reduz o largo mar de discricionariedade. O Estado de Direito é aquele em que o poder desarmado, que é o Judiciário, tem a última palavra. Não é a faca, não é a bala, é a caneta, o que pode ser ampliado a todas as esferas, local, regional e global.

ConJur — Essa já é uma ideia consentida mundialmente? 
Flávia Piovesan — O distanciamento está se tornando um pouco menor porque a política Bush de unilateralismo começa a ser enterrada. Não há mais espaço para ataques preventivos sem qualquer constrangimento por causa da hegemonia bélica militar dos Estados Unidos. O discurso de Obama e Hilary Clinton é buscar o multilateralismo. Em seu livro The Paradox of American Power, o professor Joseph Nye reconhece que, se os Estados Unidos têm um projeto de poder a médio ou longo prazo, isso não é sustentável só na bala. Ele deve partir para a soft law, para negociações, para a diplomacia. A Hilary tem se valido desse autor para determinar a linha da política de Estado. É o poder inteligente, capaz de negociar, de ouvir, de dialogar. A política externa norte-americana tem se guiado pela importância do diálogo. Os primeiros discursos do Obama foram: “Nós temos que ouvir os outros, ouvir os mulçumanos, reconhecer as diversidades”.

ConJur — A efetividade do Tribunal Penal Internacional depende de uma redução na disparidade econômica entre os países? 
Flávia Piovesan — Este é um tema em que eu tenho trabalhado bastante. Vou representar a América Latina em uma força tarefa da ONU voltada à implementação de direito ao desenvolvimento. Um comitê formado por cinco pessoas irá discutir como avançar na pauta do desenvolvimento. O grupo será liderado pelo professor norte-americano Stephen Marks, da Harvard School of Public Health. Há também um professor da Holanda, representando a Europa, uma professora do Japão e outra da África. Nós estamos trabalhando com três perspectivas: acesso a medicamentos essenciais — como para tuberculose, malária e Aids, áreas em que o Brasil tem política exemplares —; alivio da dívida, sobretudo a países atendidos pelo FMI, Banco Mundial (Bird) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid); e transferência de tecnologia. A ideia hoje é que não há ricos sem pobres. Mas será que não é possível um desenvolvimento em que todos sejam incluídos ou será que nós teremos os subintegrados e os superintegrados? Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que a pobreza é a maior causa de mortes do mundo. É fundamental, quando se fala em desenvolvimento, não só pensar em políticas domésticas, mas também nessa relação entre o Hemisfério Norte e o Hemisfério Sul, no papel de cada nação nessa nova arquitetura mundial.

ConJur — Já há em quem detém o poder uma preocupação com uma polícia mais igualitária? 
Flávia Piovesan — Temos hoje uma arena muito privilegiada para se pensar isso. Eu participo todos os anos do Fórum Social Mundial. No primeiro que foi realizado, o presidente Lula acabara de ser eleito e os participantes estavam emocionadíssimos. As plataformas econômicas e sociais, antes totalmente divergentes, pela primeira vez tinham uma convergência. Recentemente, a revista The Economist, que embora liberal, é consistente, publicou uma matéria de três páginas louvando propostas do Fórum Social Mundial em três frentes: repensar o papel do Estado diante do colapso financeiro internacional, repensar os papéis do setor privado e dos mercados e elaborar uma nova arquitetura financeira internacional. Cuba e China já defendem uma convenção sobre direito a desenvolvimento, querem algo mais duro, mais firme. Há outros países que entendem não ser adequado classificar esse tema como direito. O desenvolvimento seria uma concepção mais abrangente.

ConJur — Não há como falar em Direitos Humanos hoje sem considerar o desenvolvimento econômico? 
Flávia Piovesan — É isso. No Brasil, por exemplo, a pobreza já foi vista como crime de vadiagem. Hoje, há projetos que tentam colocar a pobreza como violação aos Direitos Humanos. Direitos sociais devem ser vistos como direitos, não como generosidade, compaixão ou caridade. Essa é a voz do Hemisfério Sul. Quando fiz doutorado em Harvard, em 1995, meu orientador dizia que Direitos Humanos são civis e políticos, como liberdade de expressão e direito à vida. Direitos sociais, para ele, eram um tema transitório, que dependiam de políticas públicas e não estavam na gramática do Direito. Nós vivemos em uma ordem macroeconômica muito assimétrica, em que os 15% mais ricos detêm 85% da renda e os 85% mais pobres ficam apenas com 15% dela. A América Latina, embora não seja a mais pobre, é ainda a região mais desigual. E nela, o Brasil é onde a desigualdade é maior que em todos os outros.

ConJur — Isso deságua no Judiciário? 
Flávia Piovesan — Sim. Há certo estranhamento recíproco entre o Judiciário e a população. Para a população, o grande problema da Justiça é que ela é inacessível. Para o juiz, o problema é o mesmo: a população é distante. Dados do IBGE mostram que apenas 30% da população têm acesso à Justiça. Estudos da pesquisadora Maria Tereza Sadek apontam que há uma relação entre IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e litigância. As regiões que mais litigam são a Sul e a Sudeste porque litigar tem haver com educação e percepção dos direitos.

ConJur — A interpretação dada pelo Supremo quanto à hierarquia infraconstitucional e supralegal dos tratados internacionais de Direitos Humanos anteriores à Reforma do Judiciário atende às expectativas internacionais? 
Flávia Piovesan — A Constituição de 1988 criou um regime jurídico misto, que trata de forma diferente os tratados de Direitos Humanos e os demais tratados tradicionais. Os de Direitos Humanos têm hierarquia constitucional e incorporação automática a partir da ratificação. Os tratados tradicionais têm hierarquia infraconstitucional e incorporação não automática. Isso porque deve-se tratar distintamente uma convenção pela abolição da pena de morte e uma convenção de exportação de abacaxis. Até 1977, o Supremo defendia o primado do Direito Internacional em detrimento do Direito interno, até que houve o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004. O Supremo encarou o assunto com uma Constituição do passado e em relação a um tema não ligado a Direitos Humanos. A disputa era a Convenção de Genebra sobre notas promissórias e notas de câmbio e um decreto-lei posterior que era incompatível com essa convenção. Em um longo julgado, não unânime, entendeu-se que o decreto-lei merecia a prevalência, entendendo-se que havia paridade hierárquica entre tratado e lei e, portanto, norma posterior revoga a anterior. Os internacionalistas ficaram indignados porque há um ritual para se entrar no jogo internacional e outro para sair, que não é simplesmente descumprir um tratado, mas se retirar solenemente por meio do instrumento da denúncia. Princípios como boa-fé foram esquecidos. Isso durou de 1977 até 1995. Então surgiu no STF um pedido de Habeas Corpus tratando de prisão civil para o depositário infiel, que invocava a Convenção Americana de Direitos Humanos. O relator foi o ministro Celso de Mello, de quem eu sou admiradora, mas com quem fiquei decepcionada nessa ocasião. Ele herdou a posição do julgado de 1977 e levantou a tese da paridade, que foi majoritariamente aceita pelo Supremo. Foram votos vencidos os ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Às vezes, os votos vencidos acabavam aderindo à tese majoritária e o placar para esse tema era oito a três ou 11 a zero a favor da prisão civil.

ConJur — A virada no ano passado foi radical, então? 
Flávia Piovesan — No julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, o placar foi de 11 a 0 contra a prisão civil, inclusive com um voto maravilhoso do ministro Celso de Mello que, humildemente e com grandeza humana, reavaliou sua posição. O Supremo, hoje na voz dos 11 ministros, acolhe a tese do regime jurídico misto. Isso é consenso. O dissenso é qual seria o status privilegiado dos tratados de Direitos Humanos. O ministro Gilmar Mendes, liderando a maioria dos ministros, entende que a hierarquia seria supralegal e infraconstitucional. A outra corrente defende a hierarquia constitucional.

ConJur — Já dá para saber quais os resultados práticos dessa mudança? 
Flávia Piovesan — Desde dezembro até hoje nós temos um novo momento. Isso terá um impacto muito grande, primeiro, na divulgação dos tratados e na sua aplicação. A primeira convenção que nós tivemos aprovada no novo ritual, e que portanto tem status formal de emenda à Constituição, é a Convenção para a Proteção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Isso aconteceu em julho do ano passado, quando o Decreto Legislativo 186/08 foi promulgado, em 10 de julho. O Supremo ainda pode avançar nesse tema porque a votação foi apertada em relação à hierarquia.

ConJur — Como lidar com movimentos sociais quando eles extrapolam os limites da lei, como no caso dos assassinatos cometidos por integrantes do Movimento dos Sem Terra? 
Flávia Piovesan — Eu vejo com muita preocupação a tentativa de criminalizar os movimentos sociais. Não há dúvida de que a atuação dos movimentos deve se dar com responsabilidade. A sociedade brasileira foi reinventada na democratização, quando explodiu o número de organizações não governamentais. Os movimentos são novos atores hoje, que sabiam atuar muito bem durante a ditadura porque a defesa de Direitos Humanos era contra o Estado, denuncista. Com a democratização, houve uma crise de identidade de muitos movimentos, que ao invés de denunciar, passaram a ser colaboradores do Estado. A discussão agora é como ter autonomia e independência, mas também ser prepositivo. À luz dos novos fatos e valores, nós temos que nos reinventar sempre. Por outro lado, vejo com preocupação essa inclinação em tratar o movimento social com bala. Isso não é compatível com o regime democrático. Os excessos têm que ser controlados, mas de uma maneira menos truculenta.

ConJur — Qual o enfoque adequado para a questão da revisão da Lei de Anistia e da punição a torturadores? 
Flávia Piovesan — Os países que tiveram as experiências mais exitosas na passagem para o regime democrático, que tiveram melhor consolidado seu Estado de Direito, foram aqueles que percorreram aTransitional Justice em quatros dimensões: acesso às informações, reparação, reformas institucionais e Justiça, que significa punições. Se nos compararmos com a Argentina, o Uruguai e o Chile, nós ficamos para trás.

ConJur — Por quê? 
Flávia Piovesan — Há uma proibição internacional absoluta com relação à tortura. Ninguém pode admitir tortura e impunidade com relação à tortura. É dever do Estado investigar, processar, punir e reparar. Há dois casos recentes, um peruano e outro chileno, em que a Corte Interamericana invalidou leis de anistia por significarem a perpetuação da impunidade, uma injustiça continuada e permanente e por violarem parâmetros mínimos. Eu corroboro o que diz o ministro Paulo Vannuchi [da Secretaria Especial dos Direitos Humanos] quando ele diz que esse não é um tema do passado, mas do presente. Eu, que já era convencida dessa causa, fiquei quase que devota quando, no dia 31 de julho do ano passado, em uma audiência pública do Ministério da Justiça sobre o tema, me sentei ao lado de uma professora aposentada, de cerca de 75 anos de idade, que disse ter três irmãos assassinados na ditadura, um deles com indícios de ter tido a cabeça decepada entregue como prêmio a militares. Eu saí de lá me perguntando se caberia indiferença com esse passado. Será que essa mulher, como a Antígona de Sóflocles, não teria o direito sagrado ao luto? É uma tortura psicológica não poder enterrar seus familiares. Em qualquer cultura, esse é um ritual sagrado. Há povos que enterram, outros que queimam, outros lançam flores, mas a ritualização da morte é sagrada. Isso também se relaciona com o desarquivamento das informações militares do regime. É nosso direito coletivo saber quem somos, qual a nossa História. Não havendo isso, há um continuísmo autoritário dentro da democracia.

ConJur — Que ainda legitima a tortura como aceitável em certos casos? 
Flávia Piovesan — Há um ano, um orientando meu em doutorado, delegado, professor da academia de Polícia, me apresentou um projeto. A questão que ele levantava era “Por que a tortura persiste sendo a principal forma de investigação nas delegacias?” Eu quase caí de costas. Não era Anistia Internacional falando, era um delegado assumindo a prática. Isso tem a ver com um ranço do passado, que nós não conseguimos cortar. Temos que colocar o dedo nesta ferida porque incomoda. Nenhum presidente da República quis enfrentar este tema. Todos dizem que é delicado. Ninguém quer enfrentar as Forças Armadas, há uma acomodação conveniente. Enquanto em outros países há militares que perdem a aposentadoria por esses abusos, aqui eles dão nome a praças. O Brasil destoa em relação ao direito à verdade.

ConJur — Como a sociedade percebe essas consequências? 
Flávia Piovesan — No início de março, uma reunião do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana, em Brasília, contou com autoridades do Rio de Janeiro para debater as milícias no Rio de Janeiro. Há uma promiscuidade de forças, em que o Estado monopoliza a força e mantém uma relação com o crime organizado. É por isso que são necessárias reformas institucionais. Há dados que apontam que 22% das armas localizadas com os bandidos no Rio de Janeiro vêm das Forças Armadas. Nós herdamos o aparato repressivo tal como ele existia, com poucos nuances de mudanças.

ConJur — Se a Lei de Anistia tem de ser revista quanto aos atos dos torturadores, também não deve rever o perdão dado a militantes de esquerda por ações terroristas? 
Flávia Piovesan — São dois atos diferentes. De um lado, indivíduos atuavam em nome do Estado. Ou seja, a população se desarma, entrega suas armas ao Estado, que monopoliza a violência, recebe impostos e tortura essa população. Isso não tem sentido. Houve abusos por parte das resistências, mas não podemos equiparar. Tortura não pode ser entendida como crime político, então não poderia ser alvo de anistia.

ConJur — A comparação com o regime militar de outros países e em um contexto histórico diferente não é desproporcional? 
Flávia Piovesan — Sem dúvida isso deve ser levado em conta, mas a tortura é inadmissível sob todos os pontos de vista. O Estado, garantidor de direitos, se transforma em assassino. Também não é possível alegar que o sujeito seguiu ordens, como se tivesse perdido a capacidade de refletir, como se lhe tivesse sido eliminado o juízo ético de identificar o que é justo, certo ou errado. A tortura é inescusável. Não há tempo o que apague.

ConJur — A lei de cotas também é uma forme de reparação plausível? 
Flávia Piovesan — Eu defendo as ações afirmativas, mas elas não são o único caminho. Também é fundamental apostar em políticas universalistas, educação e saúde para todos. Mas é preciso aliviar, remediar uma situação pretérita de um forte padrão discriminatório, e também transformar o presente e o futuro. Como professora da PUC [Pontifícia Universidade Católica] devo ter, em média, 200 alunos. Se entre eles dois ou três forem negros, já é muito. O número de afrodescendentes em universidades públicas no Brasil é inferior a 3%, um dado pior que os da África do Sul pós-Apartheid. Então, nossos territórios são brancos. Por isso é importante democratizar o caminho. Se eu, como procuradora, quero ter mais colegas afrodescendentes na minha instituição; se como professora da PUC quero ter mais colegas, médicos, dentistas, engenheiros negros, o requisito é o diploma universitário. É paliativo, mas é uma porta de democratização. Pelo ângulo jurídico é absolutamente sustentável, já que a convenção racial permite a adoção de medidas especiais temporárias para acelerar o processo de construção da igualdade. Além disso, conviver com o diverso é o melhor exercício para você se questionar, porque aí se chega a uma grande conclusão. Essas construções rompem com a passividade de que isso sempre foi assim e não vai mudar.

ConJur — Essa questão da política de igualdade não insere uma disputa racial que não existia antes? 
Flávia Piovesan — Vai haver tensões, sem dúvida. Basta ver o número de Mandados de Segurança pedidos por estudantes brancos que tiveram pontuação maior nos vestibulares, mas foram afastados em prol de grupos vulneráveis. Por outro lado, a racialização e etinização já existem. A pobreza é racializada e etinizada. Segundo o Ipea [Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas], 74% dos pobres são negros. Meus amigos militantes negros sempre dizem que não existe essa história de não saber quem é negro porque a Polícia sabe quem é negro quando quer bater. Outro argumento do Ipea é que as políticas universalistas não dão conta de estreitar a distância que há entre brancos e negros no Brasil. A distância que havia na época dos nossos bisavós hoje é a mesma, ainda que a curva seja ascendente, ou seja, que um número maior de brancos e negros tenha acesso a educação e à saúde. Nada garante que essas políticas vão resolver, mas vale a pena arriscar. Obama, sua mulher Michelle, Colin Power, Condolezza Rice e tantos outros foram frutos de ações afirmativas nos Estados Unidos. Lá elas foram adotadas desde o final da década 1950. Em quatro décadas, triplicou a classe média negra. Aqui, as medidas foram adotadas depois em 2001. Ainda é cedo para avaliarmos os impactos, mas o que eu tenho acompanhado é que os cotistas têm tido uma performance muito positiva, talvez até pelo peso da responsabilidade de ter entrado por essa porta.

ConJur — Não seria mais adequado usar o critério econômico para as cotas, e não o racial? 
Flávia Piovesan — Eu sou favorável a que se mesclem critérios econômicos e raciais, ainda que eles se confundam, se nós avaliarmos os dados do Ipea. Mas, mesmo assim, a distância ainda é evidente. Temos uma maratona, em que o ponto de chegada é o mesmo. Só que os brancos largam na frente, então é lógico que vão chegar antes. Há urgência em criar as oportunidades.

http://www.conjur.com.br/2009-abr-05/entrevista-flavia-piovesan-procuradora-estado-sao-paulo

 

DissertacaoLeandroRangel (1)

 

Do Velho para o Novo Mundo.

A partir do consenso de repúdio ao genocídio sofrido pela humanidade na Segunda Guerra, os atores internacionais propiciaram também o enorme consenso político e teórico sobre os direitos humanos. Esse contexto acarretou na superficialidade do debate sobre os direitos humanos. Após o fim do bloco socialista, os direitos não tem sido debatidos conceitualmente e as prioridades dos mesmos, objetivando suprimir conflitos entre Estados nessa temática internacional.

O professor Emílio García Méndez[1] critica a inerência dos Direitos Humanos à condição humana, pois se retirou a discussão histórica e política. De fato os indivíduos necessitam de necessidades básicas para a sobrevivência, entretanto estabelecer todos os direitos prioritários revela que o não cumprimento de alguns pode ser tolerado, não chega a gerar conflitos políticos entre os Estados.

Os Direitos Humanos se tornaram issue area principalmente após a Conferência de Viena, em 1993, como abordado no post anterior, entretanto não se apronfundou o debate sobre eles, apenas o constituiu sendo incorporado pelo Sistema Internacional e violado pelos Estados.

O professor Emílio García Méndez justifica a prioridade dos direitos políticos no Sul geográfico e político, devido o aumento nas violações, nessa região, o que não ocorre com os direitos econômicos e sociais. Visando o debate e esclarecimento sobre os direitos civis e políticos, com os direitos econômicos e sociais, o vídeo a seguir ilustra o processo dos direitos nos casos do Brasil e América Latina.

O professor Solon Viola elucida que os direitos humanos na América Latina foram feitos para poucos, para os colonizadores, sendo tratados os nativos, os escravos como instrumentos e ferramentas. Assim o professor Solon Viola fará um caminho histórico no Brasil da construção e busca de direitos, o que é chamado por ele de rebelião contra aristocracia. O professor Solon Viola apresentará que o Estado brasileiro tratou durante muitos anos as reivindicações populares como arruaça e caso de polícia. Entretanto a sociedade brasileira fez petições sem classificá-las e conceituá-las como direitos humanos.
Além disso, o professor abordará sobre a organização da sociedade civil brasileira durante a Ditadura Militar (1964 a 1985), que reavivou a busca popular pelos direitos, principalmente almejando as liberdades fundamentais, vulgos direitos civis e políticos. E citará diferenças e semelhanças da luta pelos direitos entre o Brasil e a América Latina.

Referências Bibliográficas

GARCÍA MÉNDEZ, Emílio. Origem, sentido e futuro dos direitos humanos: reflexões para uma nova agenda. Sur, Rev. int. direitos human. v. 1, n. 1, p. 6 – 19, 1º semestre de 2004, São Paulo.


[1] Professor de Criminologia na Faculdade de Psicologia da Universidade de

Buenos Aires, Argentina.

Origem, sentido e futuro dos direitos humanos: reflexões para uma nova agenda*

Emilio García Méndez

Professor de Criminologia na Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires, Argentina


RESUMO

A proposta deste artigo é reabrir o debate em torno de algumas questões conceituais dos direitos humanos, com o intuito de relançar e revitalizar uma agenda politicamente mobilizadora para a América Latina.
O autor defende a prioridade dos direitos civis e políticos sobre os econômicos e sociais ao reformular, por exemplo, o direito à educação, tradicionalmente entendido como parte dos direitos econômicos e sociais.
Para ele, é também urgente e necessário assumir a partir da política, e não dos direitos humanos, temas que provocam controvérsias de caráter moral na sociedade. O caso do aborto, tratado ainda hoje como questão de direitos humanos nos Estados Unidos, é bastante ilustrativo.


A linguagem dos direitos humanos existe para nos lembrar
de que alguns abusos são realmente intoleráveis e que algumas
desculpas para tais abusos são realmente insuportáveis.

Michael Ignatieff

Os direitos humanos: entre a história e a política

Para quem assume uma postura crítica diante do mundo da produção intelectual sobre os direitos humanos, dois aspectos específicos devem chamar a atenção: a enorme dimensão quantitativa e o caráter predominantemente pacífico de sua evolução conceitual.

Enquanto a primeira característica pode ser explicada pelo aumento constante das violações aos direitos dos indivíduos por parte dos Estados, a segunda parece se referir à gênese mesma do conceito de direitos humanos. Nascidos como resposta política, contingente e concreta a um acontecimento monstruoso, impensável a priori, tal como o Holocausto, seu desenvolvimento teórico esteve marcado por um extraordinário consenso universal baseado no repúdio mundial ao plano insano de aniquilação em massa de um povo. O enorme consenso político promoveu amplo consenso teórico e este último, objetivamente, o empobrecimento intelectual de seu desenvolvimento.

O debate posterior acerca do fundamento dos direitos humanos orientou-se, inicialmente, com muita força para um plano filosófico-metafísico que permitisse afirmar sua existência e sua legitimidade, independentemente não só do reconhecimento dos governos, mas também da própria sociedade.1 Nesse contexto, a concepção dos direitos humanos como inerente à condição humana, embora tenha permitido, por um lado, neutralizar as tendências negativas provenientes de posições ligadas a um conceito exacerbado da soberania, por outro lado agiu prejudicialmente, considerando herética qualquer postura que reconduzisse a origem e a existência dos direitos humanos à história e à política. A forte hegemonia do humanismo em suas diversas versões apoiou essa perspectiva de fundamentação metafísica dos direitos humanos. Paradoxalmente, foi a associação plena do pensamento humanista com a idéia de progresso e a crise profunda de tal idéia2 que permitiu a abertura de uma brecha antifundacional no pensamento dominante sobre os direitos humanos.

Não há dúvidas de que a concepção dos direitos humanos como direitos inerentes à pessoa humana tenha contribuído, decisivamente, para uma visão idolátrica3 e anistórica de direitos que, de forma evidente, são históricos e contingentes. Contraposta à visão metafísica de Carlos Nino, Eduardo Rabossi rejeita a idéia de qualquer fundamentação que pretenda transcender a normativa que, em matéria de proteção internacional de direitos humanos, vem se desenvolvendo desde a Segunda Guerra Mundial até nossos dias.4 Essas idéias foram retomadas com muita força pelo filósofo americano Richard Rorty (pp. 120-1), em uma palestra da qual me parece pertinente citar um parágrafo realmente significativo:

Meu argumento básico é que o mundo mudou e que o fenômeno dos direitos humanos torna irrelevante e anacrônico o fundacionalismo em matéria de direitos humanos. A tese de Rabossi, segundo a qual o fundacionalismo dos direitos humanos é anacrônico, parece-me, ao mesmo tempo, verdadeira e importante, e será, portanto, o tema central desta palestra. Ampliarei e defenderei a idéia de Rabossi de que não vale a pena questionar se os seres humanos realmente têm seus direitos listados na Declaração de Helsinque. Em particular, defenderei que nada relevante para a decisão moral separa os seres humanos dos animais, exceto fatos históricos, continentes e naturais.

A idéia central que quero defender aqui se refere ao fato de estar convencido de que o desenvolvimento de uma agenda vigorosa e confiável em matéria de direitos humanos, que para sua efetiva vigência recupere a capacidade de mobilização social, depende em boa parte de recuperar seu sentido político original, presente em sua origem histórica. Essa perspectiva parece-me especialmente pertinente para a realidade concreta daquilo que, sem ignorar os aspectos problemáticos dessa definição, pode ser entendido como o Sul político-geográfico de nossa aldeia global. Nesse Sul, não só de um ponto de vista factual, mas também de um outro, que pode ser entendido como cultural, o caráter absolutamente intolerável da violação aos direitos civis e políticos está muito longe de constituir um debate politicamente fechado. As discussões em torno do binômio garantias/eficiência policial nos assuntos relativos à segurança do cidadão são os melhores exemplos, embora, obviamente, não sejam os únicos.

É claro que os caminhos da legitimidade dos direitos humanos, condição imprescindível para sua vigência efetiva, remetem à metafísica ou à política. A história e a experiência estão aí para nos lembrar da solidez apenas aparente de qualquer legitimidade metafísica. Ao contrário, e paradoxalmente, parece existir muito mais força na fragilidade da legitimidade política. Vejamos algumas das razões para isso.

Se a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, é justamente porque os homens não são iguais por natureza, pois, se assim fosse, o conteúdo dessa declaração seria, no mínimo, supérfluo. Nesse sentido, parece-me bastante ilustrativo o conteúdo das seguintes citações:

A esfera pública, sempre inseparável dos conceitos de liberdade e de distinção, caracteriza-se pela igualdade: por natureza os homens não são iguais, precisam de uma instituição política para chegar a ser iguais, ou seja, das leis. Só o ato político pode gerar igualdade [grifo meu]. (Fina Birules, p. 22)

A Declaração [Universal dos Direitos Humanos] conserva um eco de tudo isso porque os homens, de fato, não nascem livres nem iguais […] a liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, porém um ideal que deve ser perseguido; não uma existência, porém um valor; não um ser, mas um dever […]. (Norberto Bobbio, p. 134)

Essa perspectiva abre as portas para uma fundamentação positiva e não-transcendente dos direitos humanos como instrumento político da igualdade. Perspectiva que, por outro lado, permitiria superar os impasses a que o prolongado debate antes mencionado tem levado a agenda internacional dos direitos humanos. Parece-me que ninguém a formulou melhor que Michael Ignatieff (p. 83), quando afirma: “[Os] direitos humanos são a linguagem mediante a qual os indivíduos criaram uma defesa de sua autonomia contra a opressão da religião, do Estado, da família e do grupo”.

O problema da relação entre direitos civis e políticos e direitos econômicos e sociais

A situação de guerra fria que se seguiu à Segunda Guerra Mundial condicionou de forma direta o debate político e acadêmico. Dois focos de tensão centrais surgiram a partir desse momento: (a) o debate a respeito da preeminência dos direitos civis e políticos ou dos direitos econômicos e sociais – que pôs em confronto os países ocidentais industrializados e os países do bloco socialista; (b) o debate sobre o caráter universal dos direitos humanos, que pôs em confronto, de modo geral, os países desenvolvidos e boa parte do mundo árabe e dos países asiáticos.

Curiosamente, se o segundo debate permanece aberto, em grande medida pelo impulso permanente que as diversas variantes do relativismo cultural e do imperialismo moral lhe deram, o primeiro foi encerrado antes que se esgotasse.

A abrupta e patética queda do bloco socialista em 1989 deixou a descoberto o caráter superficial e grosseiramente demagógico do “debate” sobre os direitos humanos que acompanhou todo o período da guerra fria. O interessante é que, com o triunfo do “Ocidente”, venceu, de alguma forma, a posição do bloco socialista. O tão mencionado e tão superficial e pouco analisado caráter “indivisível” e “interdependente” dos direitos humanos funcionou, de fato, conforme tentarei demonstrar, como um elemento relativizador da prioridade dos direitos políticos. Segundo nos lembra Bobbio (pp. 150 e ss.), nunca é demais insistir no fato de que os direitos humanos não são absolutos, nem constituem uma categoria homogênea (contrariamente ao que pareceria indicar seu suposto caráter indivisível). O valor absoluto de alguns poucos direitos, ou seja, seu status privilegiado, provém do fato de sua violação ser condenada universalmente. Mesmo assim, por exemplo, o direito a não ser submetido à escravidão implica a eliminação do direito de possuir escravos e o direito de não ser torturado implica a eliminação do direito de torturar. Nesse contexto, cabe perguntar, além da retórica e da ironia, qual é o conteúdo ou o significado do conceito de indivisibilidade.

Essa superficialidade no tratamento do assunto revelou que a preeminência dos direitos civis e políticos sustentada pelo Ocidente durante o período da guerra fria, longe de ser produto de um imperativo ético ou moral, constituiu uma forma nada sutil de enfraquecer a já frágil legitimidade do bloco socialista.

Mas, onde se situa hoje o problema da relação entre os direitos políticos e os direitos econômicos e sociais? Paradoxalmente, em um mundo cheio de problemas, o problema dessa relação parece ser o de não constituir problema algum. De maneira semelhante ao caráter mágico da indivisibilidade, o caráter interdependente dos direitos humanos, afirmando igual importância e homogeneidade para ambos os tipos de direito, tem servido para suprimir qualquer debate sobre a eventual prioridade de um ou outro tipo, geralmente sob o rótulo de anacrônico.5

Adianto, por motivos e com argumentos que exporei depois, uma clara posição a favor de priorizar hoje os direitos políticos nos países do Sul, em qualquer estratégia de reconstrução de uma agenda confiável e mobilizadora dos direitos humanos.

Nesse sentido, o posicionamento a que me refiro parte do reconhecimento do caráter contingente do conteúdo dos direitos políticos e dos direitos econômicos e sociais. Nada há na “natureza das coisas” que torne um direito inerente a uma ou outra categoria. Além disso, não se trata, de forma alguma, de negar a importância do conteúdo dos direitos econômicos e sociais. Trata-se, na verdade, de defender a necessidade de um debate público sobre a conveniência de priorizar algum tipo de direito e subtrair, ou não, da política (confiando-os exclusivamente ao direito) alguns aspectos da vida social pertencentes àquilo que, em sentido amplo, pode ser denominado desenvolvimento econômico e social. Ao mesmo tempo, trata-se também de realizar uma operação que poderia ser entendida como contrária a essa tendência. Refiro-me à necessidade de considerar como um direito político (e, por conseguinte, não sujeito à tolerância nem à negociação com uso da cláusula de “até o limite dos recursos disponíveis”, que caracteriza os direitos econômicos e sociais) alguns direitos que até agora eram considerados como típicos do campo dos direitos econômicos e sociais. Aludo aqui, concretamente, ao direito à educação.

Na atual etapa do desenvolvimento tecnológico, em que o acesso ao conhecimento constitui a variável decisiva e fundamental de uma existência humana digna, que constitui a finalidade última dos direitos humanos, o direito à educação não pode ser submetido a qualquer tipo de negociação, devendo ser entendido como prioridade tão absoluta quanto a abolição da escravidão ou da tortura. Exatamente o mesmo pode e deve ser afirmado com relação à saúde básica. Mais adiante, voltarei a tratar desse ponto.

Uma postura tal como a que defendo se explica, principalmente, a partir de uma profunda insatisfação com o estado de coisas existente. Na verdade, trata-se de expor novos problemas e novas questões em um mundo no qual a guerra no Iraque detonou a já fragilizada e questionável institucionalidade dos direitos humanos, implantada após a Segunda Guerra Mundial. Parafraseando Ignatieff (p. 81) em uma referência ao Holocausto, a guerra do Iraque atualiza tanto a consciência acerca da fragilidade dos direitos humanos quanto, simultaneamente, sua imperiosa necessidade.

Essa insistência na necessidade de revisão crítica da agenda dos direitos humanos não é um exercício cego de mera onipotência intelectual que pretenda apagar os fatos com palavras. Trata-se, ao contrário, de se negar a continuar com o bussiness as usual nesse mutante cenário de transformações profundas e incertas.

Para ser ainda mais claro, gostaria de deixar explícita minha suspeita, da qual surgem minha insatisfação e minha argumentação alternativa, de que a recusa em aceitar hoje a prioridade dos direitos políticos, mediante a afirmação de que todos os direitos são igualmente prioritários, tem provocado, principalmente nos países do Sul, um aumento nas violações aos direitos políticos, ao mesmo tempo que não tem provocado qualquer avanço significativo no campo dos direitos econômicos e sociais.

Considerando o caráter política e culturalmente hegemônico que assumiu a dimensão dos direitos humanos que mais adiante caracterizarei como “programática”, estabelecer que todos os direitos são igualmente importantes e, em conseqüência, igualmente prioritários, constitui uma forma sutil de confirmar a prioridade real daqueles direitos cujo não-cumprimento não chega a gerar fortes tensões políticas com os Estados. A possibilidade de estabelecer um relacionamento de constante cooperação não-conflitante com o Estado, se a prioridade real são os direitos econômicos e sociais, explica, em boa medida, o caráter hegemônico dessa tendência.

Direitos humanos: dimensões política, acadêmica e programática

Particularmente nestes últimos anos, aquilo que poderia ser denominado “a questão dos direitos humanos” pode ser dividido, especialmente para fins analíticos, em três dimensões, às quais farei menção um pouco mais adiante.

O que pode ser caracterizado como dimensão propriamente política dos direitos humanos se desenvolveu, fundamentalmente, em estreito vínculo com as lutas de caráter nacional, em resposta concreta às violações dos direitos dos indivíduos por parte do Estado. A militância ativa não-profissional, seu caráter essencialmente conflituoso e a ausência de reflexões teóricas significativas (em particular quando medida em proporção ao tamanho das lutas) marcou profundamente a dimensão política dos direitos humanos.

Por sua vez, a dimensão que poderia ser denominada acadêmica em geral tem ficado circunscrita ao mundo universitário e a centros específicos de conhecimento. A relação entre o direito interno e o direito internacional e, mais especialmente, a aplicabilidade no contexto nacional dos tratados internacionais ocuparam o centro desse debate. Em outras palavras, o desenvolvimento acadêmico dos direitos humanos se tornou em boa parte sinônimo de “Direito Internacional dos Direitos Humanos”.

Mas a dimensão que apresenta mais arestas de complexidade e, ao mesmo tempo, talvez resulte a mais rica em implicações político-conceituais, é a dimensão que aqui se denomina programática. Essa dimensão faz referência à incorporação, por parte de organismos internacionais de diferentes âmbitos geográficos e de competência temática muito diversificada, das formas e da semântica dos desenvolvimentos políticos e acadêmicos em matéria de direitos humanos. No entanto, engana-se completamente quem acha que esse processo se consumou com a incorporação passiva e a mera assimilação das duas dimensões antes mencionadas. A dimensão programática dos direitos humanos, na forma em que efetivamente está acontecendo, supõe uma profunda reformulação da teoria e da prática, tanto acadêmica quanto política, dos direitos humanos, cujas conseqüências (algumas delas) me proponho a identificar e começar a analisar nas linhas restantes.

Uma perspectiva politicamente não-conflitante em relação ao Estado e ambígua em relação aos aspectos mais ásperos do debate acadêmico caracteriza a dimensão programática dos direitos humanos. Uma incorporação anistórica, ritualista, pragmática, indiscutível (mainstream) e totalizadora esvaziou lentamente o conteúdo da proposta política e acadêmica original dos direitos humanos. Da mesma forma, visto que quando tudo é prioritário na verdade nada é prioritário, quando tudo é direitos humanos (a começar por situações que não implicam responsabilidade alguma por parte do Estado), nada é direitos humanos.

Essa colonização burocrática do discurso dos direitos humanos teve um profundo e desigual impacto na prática e nos desdobramentos conceituais, especialmente nos países do Sul do planeta. Neste último caso, a fragilidade, quando não a inexistência, de centros autônomos de conhecimento aumentou a eventual dependência teórico-cultural de organismos internacionais, principalmente daqueles que, especificamente, mais contribuíram para a reformulação conceitual da questão dos direitos humanos. Como resultado, nada que pudesse parecer uma perspectiva crítica surgiu nos últimos anos.

Quase invariavelmente, os “consensos” nessa dimensão foram obtidos por agregação. A conseqüência prática consiste em que toda agenda completa e integral de direitos humanos acabou se constituindo, na verdade, muitas vezes em um eufemismo para designar uma agenda tão politicamente inócua quanto imóvel e intranscendente.

Paradoxalmente, enquanto cresce o caráter conflituoso da política em torno de temas críticos de direitos humanos, ou seja, enquanto se multiplicam as violações flagrantes aos direitos humanos mais elementares, se expande incessantemente a lista de direitos humanos referentes ao desenvolvimento econômico e social. Parece que uma parte importante dos atuais avanços conceituais só foi capaz de refletir a aridez e a superficialidade de um mundo unipolar.

Esse é o contexto no qual me proponho a fazer uma análise crítica tanto das conseqüências práticas de algumas suposições (não demonstradas) sobre as quais se baseiam o discurso e as ações atuais dos direitos humanos (universalidade, interdependência e indivisibilidade) quanto das relações entre a política e o campo dos direitos humanos.

Na concepção ritualista que domina hoje o discurso sobre os direitos humanos, e que se expressa com total clareza em sua dimensão programática, as suposições às quais aludi acima parecem constituir verdades evidentes que não precisam – mas, principalmente, não admitem – de debate e, muito menos, de crítica.

Tal debate, ou mais precisamente a ausência dele, se estrutura, basicamente, em torno do tipo de relação, tanto a existente quanto a desejável, entre os direitos políticos e os direitos econômicos e sociais.

A concepção programática estruturada metodologicamente em torno do consenso por agregação constitui, na verdade, uma concepção acumulativa dos direitos humanos. Desse modo, os direitos econômicos e sociais são um tipo de camada geológica posterior, que se encaixa harmoniosa e naturalmente nos direitos políticos. Torna-se interessante observar um certo parentesco dessa concepção linear e acumulativa com o desenvolvimento, não desprovido de um certo economicismo, da teoria de T. W. Marshall sobre o processo histórico de expansão dos direitos.6

Os direitos humanos: entre o direito e a política

Por tudo que foi mencionado anteriormente, parece-me importante começar a questionar a idéia “politicamente correta” de que a expansão incessante do conteúdo dos direitos humanos, ou seja, daquelas áreas da vida social que se subtraem à contingência e à negociação política, fortalece diretamente a agenda e as lutas pelos direitos humanos. Para tanto é preciso, entre outras coisas, entender o caráter complexo do relacionamento entre estes últimos e a paz social.7

É verdade que o maior acolhimento dos direitos humanos contribui para a paz social. No entanto, não é menos verdade que a paz social e a estabilidade democrática são o único ambiente em que os direitos humanos podem se desenvolver de forma genuína e sustentável.

Costuma-se argumentar que, no plano dos direitos, a incorporação de aspectos anteriormente considerados exclusivos da política social possui a extraordinária vantagem de sua “justiciabilidade”. Sendo essa afirmação estritamente correta, não é menos correto dizer que a ação individual da justiça para prestar de fato os benefícios da política social pode se tornar não apenas fonte de reprodução ampliada de desigualdades sociais, mediante a desigualdade no acesso à justiça,8 mas também uma concessão indesejada de legitimidade a governos que utilizam essa via para atender a bem poucos.

Mas o problema mais importante e preocupante dessa concepção expandida dos direitos humanos não se encontra, na minha opinião, no exemplo anterior. O problema mais grave surge, especificamente, da transformação em tema de direitos humanos daqueles assuntos políticos que, ao mesmo tempo, se tornam altamente conflitantes do ponto de vista moral.

Nas palavras do filósofo inglês John Gray (1997, p. 22):

Converter um assunto político profundamente conflituoso do ponto de vista moral em assunto de direitos fundamentais é convertê-lo em não-negociável. Os direitos, ao menos como são entendidos na escola contemporânea dominante da jurisprudência anglo-americana, geram adjudicações incondicionais, não suscetíveis de discussão. É justamente por essa razão que o direito não permite que assuntos altamente conflituosos possam ser objeto de compromissos legislativos. [No campo do direito] as possibilidades são só de vitória ou rendição incondicional. A questão do aborto nos Estados Unidos, onde o assunto é tratado como objeto de direito constitucional em vez de ser tratado como problema de [política] legislativa, constitui o mais claro exemplo de um assunto conflituoso que se transformou em maior perigo para a paz social, desde que foi elevado a problema de direito constitucional e da teoria dos direitos.

Efetivamente, o tratamento dado ao tema do aborto, em termos comparativos entre Europa e Estados Unidos, ilustra bem o que vem a ser o veio central do pensamento que tento aqui expor.

Surgido praticamente de forma simultânea na Europa e nos Estados Unidos, no início da década de 70, o tema do aborto rompeu literalmente o tecido social europeu, sendo provavelmente o caso italiano o mais claro desses exemplos. Foram anos de intensos e agitados debates, nos quais a Igreja Católica, de um lado, e o movimento feminista, de outro, lideraram e arregimentaram uma sociedade profundamente dividida pela questão moral. Os primeiros vislumbres de consenso não chegaram pelo lado do conteúdo do debate, e sim pelo lado de um procedimento para dirimir o conflito. Esgotada a sociedade por anos de debate, houve finalmente acordo para entender a dimensão política de um problema de profunda raiz moral. Plebiscitos e leis resolveram politicamente a questão, de forma pacífica e duradoura.

Concomitantemente, o rumo tomado nos Estados Unidos foi totalmente diferente. Pouco tempo depois do início de um debate que prometia virulência ainda maior do que a ocorrida na Europa, a Corte Suprema dos Estados Unidos, no conhecido caso Roe vs Wade, truncou o debate político declarando o aborto um direito constitucional.9Exatamente trinta anos depois, a sociedade americana encontra-se mais dividida e a paz social mais ameaçada, justamente por ter pretendido solucionar dentro do campo dos direitos humanos, e não dentro do campo da política, um problema que moralmente dividia (e até hoje divide) profundamente essa sociedade.

Palavras finais

Por último, sem nenhuma pretensão conclusiva, mas principalmente com o intuito de estimular o debate, gostaria de enfrentar o tema da relação entre política e direitos humanos. O problema é complexo em aparência e muito mais em essência.

Sob a perspectiva de uma democracia ser levada a sério, existe um amplo consenso no sentido de exigir e aceitar a necessidade de vedar à política algumas áreas da vida social e institucional, como condição necessária para o funcionamento do Estado de direito. No entanto, isso não deveria ser confundido com o fato de se pensar os direitos humanos à margem ou acima da política. Em geral, o consenso de vedar determinados assuntos à política não é resultado de outra coisa senão de acordos políticos, cuja solidez e durabilidade estão em relação direta com o grau de consenso moral em que se apóiam. Segundo afirma Ignatieff (p. 22), “a linguagem dos direitos humanos existe para que nos lembremos que alguns abusos são realmente intoleráveis e que algumas desculpas por esses abusos são realmente insuportáveis”.

Se concordarmos com a citação anterior, deveremos estar dispostos a admitir então a possibilidade de que a falta de prioridade explícita dos direitos políticos contribuiu para esvaziar o conteúdo e relativizar a existência de um núcleo resistente dos direitos humanos.

A insistência em expandir incessantemente as áreas da vida econômica e social que devem ser entendidas como direitos humanos debilita de forma considerável qualquer agenda política confiável e sobretudo mobilizadora em matéria de direitos humanos. Não me parece que seja expandindo a lista dos direitos humanos, como uma espécie de fuga para o futuro, que se recupere a credibilidade perdida.

Aos partidários da interdependência e da indivisibilidade dos direitos humanos, principalmente àqueles com responsabilidades no desenvolvimento da dimensão programática dos direitos humanos, convém lembrar que não se conserva indefinidamente uma hegemonia cultural fugindo sempre do debate e demonizando as posturas críticas nessa matéria, consideradas inconvenientes ou anacrônicas.

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* Gostaria de agradecer especialmente a Roberto Saba pela paciência e pelo interesse ao discutir comigo uma versão preliminar deste texto. No entanto, não seria demais dizer que as muitas imperfeições e, por que não, excessos, são de minha total responsabilidade.
1 Um exemplo representativo dessa conhecida perspectiva filosófico-metafísica, tributária, entre outros, do pensamento do filósofo argentino Carlos Nino, pode ser encontrado em Pedro Nikken (p. 21): “O reconhecimento dos direitos humanos como atributos inerentes à pessoa, que não são uma concessão da sociedade nem dependem do reconhecimento de um governo […]”. Por outro lado, argumentos decisivos para demonstrar a fragilidade do conceito de “natureza humana” com relação ao fundamento dos direitos humanos são apresentados por Norberto Bobbio (pp. 118 e ss.).
2 Para uma visão radicalmente crítica da associação entre o pensamento humanista e a idéia de progresso e, em conseqüência, para uma visão que trate da crise profunda do pensamento humanista, ver o recente trabalho de J. Gray (2002, sobretudo pp. 3-4).
3 Tanto essa caracterização quanto essa crítica à visão idolátrica dos direitos humanos estão muito bem explicadas no livro de Michael Ignatieff (2001, sobretudo p. 83).
4 Uma breve porém clara reconstrução desse debate entre Nino e Rabossi pode ser encontrada em G. Carrio. Embora o assunto da fundamentação dos direitos humanos esteja presente e disperso em muitos lugares da vasta e brilhante obra de Carlos Nino, permito-me fazer referência, especificamente neste ponto, a sua obra Ética y derechos humanos: un ensayo de fundamentación. Quanto à perspectiva de Rabossi, permito-me também fazer referência direta a seu texto “La teoría de los derechos humanos naturalizada”.
5 O suposto caráter indivisível e interdependente dos direitos humanos não deriva de outro lugar que não seja de sua própria declaração. Assim o consagra a declaração da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, de junho de 1993. Nesse ponto, parece-me importante não confundir o caráter não discutido (por algum tempo) de um conceito com o caráter indiscutível de um conceito. Esta última característica só pode pertencer a alguma variável do fundamentalismo. O documento mais completo e profundo sobre o tipo de relacionamento entre os direitos políticos e os direitos econômicos e sociais, que inclui uma identificação das causas mais determinantes de suas violações, assim como recomendações específicas para seu cumprimento, é o Relatório Final do Relator das Nações Unidas para os Direitos Econômicos e Sociais, Danilo Turk.
6 Refiro-me especificamente ao conhecido ensaio de 1950, Ciudadanía y clase social. Ver T. H. Marshall & Tom Botommore.
7 A insistência no vínculo entre estabilidade política e vigência efetiva dos direitos humanos está presente, com muita força, no trabalho de Ignatieff.
8 Esse alerta específico pode ser encontrado, inclusive, no excelente trabalho de Vitor Abramovich & Christian Courtis (p. 42) que defendem, contrariamente ao que sustento aqui, uma concepção expandida dos direitos humanos.
9 Uma excelente descrição e uma análise desse processo foram publicadas em um relatório especial da revista inglesa The Economist: “The War that Never Ends” (Special Report Abortion in America), 18-24 jan. 2003, pp. 24-6.

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Prezados leitores,

Boa noite.

Para falarmos de Direitos Humanos em uma ótica regional, é necessário, primeiro, entendermos o mesmo partindo de uma perspectiva global. Sendo assim, abordaremos neste post a Conferência de Viena, ocorrida em 1993, a qual deu inicio a universalidade dos Direitos humanos.

Ao final do embate ideológico entre URSS e USA, acreditava-se que temas de caráter transnacionais poderiam ser debatidos sem a influência de um mundo bipolar. Como o resultado da Guerra Fria foi favorável às premissas ocidentais, lideradas pelo modelo Estadunidense, democrático, desenvolvimentista e sobrepondo o indivíduo ao Estado, foi pressuposto que a universalidade dos Direitos Humanos seguisse a mesma lógica.

Entretanto, o Sistema Internacional não estava estático e acontecimentos ao longo do globo, como a retomada de sentimentos nacionalistas em determinadas regiões da Europa e a retomada do fundamentalismo religioso em determinados países, influenciaram diretamente a postura dos Atores Internacionais frente à definição e perspectiva de direitos humanos.

O artigo abaixo, escrito por Luís Felipe Costa Stella explicita os acontecimentos e suas consequências para a formação da “Declaração e Programa de Ação de Viena”.

A CONFERÊNCIA MUNDIAL DE VIENA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS/1993 – A SUA IMPORTÂNCIA NESTE RAMO DO DIREITO.[1]

 

LA CONFERENCIA MUNDIAL DE VIENA SOBRE LOS DERECHO HUMANOS/1993 – LA IMPORTANCIA DE LA CONFERENCIA EN ESA RAMA DEL DERECHO

 

 

RESUMO

 

Realizada no ano de 1993, em Viena, e presidida pelo Brasil, a II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos pode ser considerada um marco evolutivo neste ramo do direito. Da mesma forma que a primeira conferência realizada em Teerã em 1968 pacificou a ideia de indivisibilidade dos direitos humanos, esta, com uma magnitude muito maior, com a participação da maioria dos Estados do mundo já com sua independência consolidada, com milhares de ONGs, representantes da sociedade civil e acadêmica, houve por discutir, em intensos debates, questões que envolvem as diferenças culturais, sociais, políticas e econômicas. Englobou a discussão de duas teorias, nomeadamente a universalidade dos direitos humanos, cuja liderança foi exercida pelos países ocidentais (EUA e Europa) e a tese relativista, defendida pelos países islâmicos, China e aliados. Possuiu como pano de fundo a realidade do pós Guerra-Fria dos anos 90, os direitos humanos acabaram por ganhar força e notoriedade internacional, pois ainda era grande a influência do eixo Leste/Oeste sobre as relações internacionais. Ao analisar todo esse contexto, fica a disposição do leitor duas importantíssimas contribuições, quais sejam: Samuel P. Huntington, doutor pela Universidade de Harvard, autor do livro Choque de Civilizações e a recomposição da nova ordem mundial, segundo o qual as identidades culturais e religiosas são as principais fontes de conflito no mundo pós Guerra-Fria. Oferecem-se também as opiniões de Antônio Augusto Cançado Trindade sobre esta conferência, por ser ele brasileiro, ex- Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, entre 1994 a 2008, ocupante do cargo de presidente da Corte entre 1999 e 2004. Foi eleito para a Corte de Justiça de Haia em 2008.

Palavras Chaves: Congresso de Viena/1993 – Direitos Humanos – Universalidade/Relativismo – Samuel P Huntington – Antônio Augusto Cançado Trindade.

 

 

RESUMEN

 

Realizada en el año de 1993, en Viena, la II Conferencia Mundial sobre Derechos Humanos, presidida por Brasil, puede ser considerada como punto de partida para evolución de esa rama del derecho. Así como la primera conferencia realizada en Teerã, en 1968, pacificó la idea de indivisibilidad de los derechos humanos, ésta, con una magnitud mucho mayor, ya que tuvo la participación de la mayoría de los Estados independientes del mundo, varias ONGs y representantes de la sociedades civiles y científicas. Tras la discusión e intensos debates de cuestiones relacionadas con las diferencias culturales, sociales, políticas y económicas se planteó el debate de dos teorías: i) la universalidad de los derechos humanos, cuyo liderazgo fue ejercido por los países occidentales (EUA e Europa); ii) la tesis relativista, defendida por los países de religión islámica, China y aliados. En los años 90,como consecuencia de la realidad pos Guerra-Fria, los derechos humanos acabaron por ganar fuerza y notoriedad internacional, pues aun era grande la influencia del eje Este/Oeste sobre las relaciones internacionales. Analizando todo este contexto, se pone a disposición del lector dos importantes contribuciones. Por un lado la de Samuel P. Huntington, doctor de la Universidad de Harvard, autor del libro El choque de civilizaciones y la reconfiguración del orden mundial , según el cual las identidades culturales y religiosas son las principales fuentes de conflicto en el mundo pos Guerra Fría. Y por otro lado, se ofrece también al lector las opiniones de Antonio Augusto Cançado Trindade, autoridad brasileña que integró la Corte Interamericana de Derecho Humanos, entre 1994 a 2008, ocupando el cargo de presidente entre 1999 e 2004, quien a su vez fue elegido para integrar la Corte de Justicia de la Haya en el año 2008.

 

Palabras Claves: Conferencia de Viena/1993 – Derechos Humanos – Universalidad/Relativismo – Samuel P Huntington – Antonio Augusto Cançado Trindade.

 

 

INTRODUÇÃO:

 

1 Direitos Humanos:

O movimento de direitos humanos que se desenvolveu a partir da Segunda Grande Guerra Mundial, revelou uma incomparável capacidade de estabelecer parâmetros comuns através de tratados e declarações internacionais. Contudo, a capacidade de implementar regras e princípios contra os Estados violadores ainda se mostra aquém do desejável. Dada a esta fragilidade do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, a necessidade de se encontrar uma resposta eficaz se volta à ordem jurídica e política interna dos Estados signatários dos tratados internacionais sobre esta matéria.

A questão é interna. Os próprios Estados devem organizar suas estruturas sem a necessidade de que as vítimas de violações de direitos humanos recorram ao sistema de monitoramento internacional. Certo de que tais violações surgem dentro dos próprios Estados, cabe aos mesmos punir os respectivos violadores e remediar tais violações.[2]

O Direito dos Direitos Humanos não rege relações entre iguais, opera precisamente em defesa dos mais fracos. Nas relações entre desiguais, acaba por posicionar-se em favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar os efeitos dos desequilíbrios e disparidades.[3] O que se coloca é que não se nutre de negociações de reciprocidade, mas

sim inspirar-se nas considerações de ordem pública em defesa de interesses superiores, consequentemente para a realização da justiça. Enfim, é o direito de proteção dos mais

fracos e vulneráveis, onde a mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de exclusão, dominação, repressão acaba por refletir o s avanços neste ramo do Direito.

Ao longo do constitucionalismo liberal do sec. XIX, é possível visualizar uma dimensão cada vez mais internacional da abordagem política e jurídica dos direitos humanos.[4] Não se pode deixar de mencionar a crescente evolução e expansão das organizações internacionais com o propósito de cooperação internacional como fator contribuinte para o processo de internacionalização das normas de proteção aos direitos humanos.

A evolução destes direitos no mundo ocidental, desde o início do século XX, deve-se ao caráter internacional de que foram investidos, incorporando-os ao Direito Internacional, a ponto de diferentes O.Is (Organizações Internacionais) tutelá-los em vários instrumentos formais e convencionais, no intento de garantir que não sejam violados pelos Estados.

Contudo, a verdadeira internacionalização do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em meados do século XX em decorrência da 2ª Grande Guerra Mundial. E que, nas palavras de Thomas Buergenthal “o moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. S eu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se u m efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse”[5].

Internacionalização, portanto, constitui um movimento recente na história (pós-guerra) devido aos acontecimentos perpetrados pelo nazismo de Hitler[6] quanto pelo fascismo. Assim, a necessidade de uma ação internacional efetiva para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, criando a possibilidade de responsabilização do Estado no domínio internacional.

Por ser um tema bastante atual na história da humanidade, o terreno dos direitos humanos é marcado por dúvidas e preocupações que perpassam a confrontação entre o argumento da universalidade dos direitos humanos e a diversidade cultural que está inserida no conceito de dignidade da pessoa humana. Como já mencionado, o Direito Internacional dos Direitos Humanos constitui, portanto, um movimento recente na história, surgindo, a partir do Pós-Guerra, pelas crueldades do nazismo[7]. Neste panorama,  o  esforço  foi  o  de  reconstrução  dos  direi   tos  humanos,  como  paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional.[8] O grande desafio foi, portanto, converter os direitos humanos em tema de legítimo interesse da sociedade internacional, o que acarretou na universalização e internacionalização destes direitos[9].

Esses processos permitiram (não de uma hora para outra, mas sim acompanhando o próprio sentido da evolução humana), por sua vez, a formação de um sistema normativo internacional de proteção de direitos humanos, de âmbito global e regional, como também de âmbito geral e específico. Adotando o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se complementam, interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais. A sistemática internacional, como garantia adicional de proteção, institui mecanismos de responsabilização e controle internacional, acionáveis quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais.

Muito bem coloca a Doutora Piovesan quando  menciona  que  o  processo  de

internacionalização dos direitos humanos – que, por    sua vez, pressupõe a delimitação da soberania estatal – passa, assim, a ser uma importa nte resposta nesta busca de reconstrução de um novo paradigma, diante do repúdio internacional às atrocidades cometidas no Holocausto. Afirma ainda que se a 2ª Grande Guerra Mundial significou a ruptura, o pós-guerra deveria significar a reconstrução dos direitos humanos. É neste

cenário   que   se   desenha   o   esforço   de   reconstrução   do s   direitos   humanos,   como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea[10].

Esta idealização de um direito internacional de direitos humanos aconteceu ainda durante a 2ª Guerra Mundial, nomeadamente, a Conferência de São Francisco, berço das Organização das Nações Unidas – ONU. Realmente a Carta de  São Francisco fez dos direitos humanos um dos axiomas desta organização, conferindo-lhe uma estrutura constitucional no direito das gentes.

Os dois mais importantes documentos que expressam os princípios da ONU são: a Carta da Nações Unidas de 1945[11] e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, onde questões como a de que os Estados podem tratar seus cidadãos da forma que lhe bem aprouver sem sofrer qualquer tipo de responsabilização perante sistema internacional já não mais reflete a realidade[12]. Claro está que ainda nos encontramos em uma situação que exige muito mais desenvolvimento e evolução das instituições, mas a resposta para esta e outras questões já começaram a ser discutidas no plano internacional[13].

Hoje ainda encontra-se com facilidade a defesa da idéia da soberania nacional absoluta que se contrapõe à idéia da tutela internacional dos direitos humanos. Com Jean Bodin, em “as seis leis da República”, a soberania estatal era concebida como o poder supremo, absoluto, ilimitado e perpétuo sobre os seus cidadãos e súditos, independente das leis. Portanto, amparados neste princípio, muitos Estados tem sistematicamente praticado violações aos direitos d o homem[14].

Entretanto, a tutela destes direitos não é mais uma questão de competência exclusiva dos Estados, mas sim, um problema de toda a comunidade internacional. Importante enfatizar que a partir do momento que um Estado acolhe um aparato internacional de proteção, nomeadamente o de direitos humanos bem como as obrigações internacionais dele decorrentes, aceita, concomitantemente, o monitoramento internacional no que se refere o modo pelo qual os direitos fundamentais deverão ser respeitados.

Enfatizando, com a consagração internacional dos direitos humanos, a proteção inerente ao ser humano deixou de ser assunto de jurisdição interna de determinado Estado para assumir proporções universais enquanto preocupação de toda comunidade internacional. Desde então, todo e qualquer desrespeito aos direitos humanos em determinado território, Estado, ou qualquer lugar d o globo passou a ser de interesse de toda a humanidade, passando os indivíduos a serem sujeitos de direito internacional, incluindo, portanto, direitos e deveres.

E que, como abordarei mais adiante; questões culturais, identidades culturais, as pretensões   universalistas   do   ocidente,   a   revolução      democrática   global   entre   outros fatores,   acabam   por   conduzir   ao   conflito   com   outras   civilizações   no   que   tange   a aceitação destes mecanismos de proteção dos direitos humanos fundamentais.

Para, em síntese, relatar a história dos direitos humanos no contexto internacional, nas palavras de Antonio Augusto Cançado confere “que ao longo dos anos passariam a coexistir inúmeros instrumentos internacionais de proteção, origens, natureza e efeitos jurídicos distintos ou variáveis (baseado em tratados e resoluções) de diferentes  âmbitos  de  aplicação  nos  planos  global  e    regional,  distintos  quanto  aos  seus destinatários ou beneficiários (tratados ou instrumentos gerais e setoriais) e quanto ao seu exercício de funções e aos seus mecanismos de controle e supervisão (essencialmente os métodos de petições, denúncias, de relatórios, de investigações). Formou-se, assim, gradualmente, um complexo corpo juris, em que, no entanto, a unidade conceitual dos direitos humanos veio a transcender tais diferenças, inclusive quanto às distintas formulações de direitos nos diversos instrumentos[15].

Por ser inquestionável que o tema direitos humanos constitui um dos ítens mais importantes da agenda internacional contemporânea e para analisá-lo sistematicamente, inevitavelmente deverá ser abordada e discutida a Conferência Internacional sobre Direitos Humanos realizada entre os dias 14 e 25 de junho de 1993, em Viena. Uma combinação de mudanças políticas no seio da sociedade internacional e transformações conceituais na esfera dos direitos humanos, bem como a explícita demonstração de poder entre civilizações.

 

2. A DÉCADA DE NOVENTA:

A década de noventa, ao contrário das décadas anteriores onde os debates políticos dos Estados giravam em torno de um maior ajuste e equilíbrio econômico, a agenda dos anos noventa se ateve aos temas sociais, principalmente da Organização das Nações Unidas. Novos posicionamentos, intensos debates, rearticulações entre as ordens políticas, tanto a nível interno como supra estatal, a redefinição do conceito de direitos humanos foi exaustivamente trabalhado[16],[17].

No campo de proteção internacional da pessoa humana, o ano de 1993 será tido como o ano da avaliação global da experiência acumulada nas décadas anteriores e de um   novo   rumo   a   ser   trilhado,   tanto   na   consolidação     como   no   fortalecimento   dos sistemas de proteção internacional. A Conferência de Viena foi precedida de intensos trabalhos[18] e de um longo processo preparatório, o que necessariamente deverá ser levado em consideração para avaliação dos resultados.

O final da Guerra-Fria trouxe ao cenário internacional um relativo otimismo quanto à possibilidade do avanço do regime internacional dos direitos humanos, tendo em vista o fim da bipolaridade conflitiva entre capitalistas e socialistas, a qual inviabilizou e condicionou, em grande medida, as discussões acerca destes direitos no pós-guerra. Entretanto, a ascensão de conflitos motivados por diferenças culturais[19], antes minorizados pela lógica Leste-Oeste, mostrou que os avanços em matérias de direitos humanos, assim como sua universalização, não seriam automáticos e de fácil aceitação.

Esse otimismo, que na realidade se fundou na possibilidade vislumbrada pelo Ocidente da obtenção de um consenso mundial, baseado na democracia global e nos direitos humanos, caracterizando-se por ser um otimismo ocidental conflituoso quando colocado frente ao Estados não-ocidentais (demais civilizações), ao contrário das análises realistas que vigoraram durante a Guerra-Fria, previa uma cooperação entre os Estados, os quais não mais seriam os únicos e principais atores no cenário internacional. Em decorrência disto, acreditava-se na possibilidade de discussão de temas transnacionais[20] como os direitos humanos, o meio ambiente etc.

O quadro da política mundial Pós-Guerra Fria, moldada por fatores culturais e implicando interações entre estados e grupos de civilizações diferentes, está enormemente simplificado.[21] Acabou por reforçar o otimismo com maior atuação da ONU[22] e com a redemocratização na América Latina, com a reunificação da Alemanha e com as mudanças no Leste Europeu.[23] Ocorre que na maioria dos países, a natureza e os limites dos direitos humanos tornaram-se mais entranhados nas agendas nacionais. Assim como as idéias econômicas acabaram por se difundir por meio da globalização, o mesmo caminho tiveram outras idéias. As Organizações não-governamentais e a própria sociedade civil passaram a ter mais influência (a nível mundial) em assuntos de direitos humanos.

Mudanças de sistemas autoritários para sistemas democráticos[24], e a crença, em especial dos Estados Unidos da América, de que a tão procurada “revolução democrática universal estava já em curso e que os modelos de direitos humanos, bem como os moldes ocidentais acabariam por prevalecer e enraizar-se definitivamente na comunidade internacional[25]. “O que para os Ocidentais á a propagação da democracia, dos direitos humanos e das liberdades individuais, para as demais civilizações se trata puramente de uma forma de imperialismo”[26]. O imperialismo Ocidental.

Em termos de uma nova configuração mundial, a expectativa é de que os conflitos futuros resultem da interação entre a arrogância Ocidental, a intolerância Islâmica e a afirmação Sínica. Há discordância entre os esforços dos países ocidentais, em especial os Estados Unidos da América, para promover uma cultura ocidental universal e a sua menor capacidade de impô-la, o que acaba configurando o problema central das relações entre Ocidente e o resto do mundo[27].

            2.1 UNIVERSALISMO X RELATIVISMO:

A discussão central sobre a natureza especial dos tratados de direitos humanos e as suas características especiais acaba por abrir espaço para o conflito sobre a aplicação da tese universalista. Importante salientar que os ideais da Declaração Universal revelam a globalização[28] destes direitos. Ocorre que tendo em vista a multiculturalidade do mundo de hoje, e em tentativa de aplicar um conceito único de direitos humanos para todos os povos, acaba por desenvolver uma grande problemática quando o assunto se desenvolve pela sua aplicação.

A questão central da tese universalista repousa na idéia de uma interpretação única do núcleo de direitos humanos comum entre os Estados. Contrapondo esta tese, há uma outra, a relativista, a qual relativista  a interpretação deste núcleo fundamental dos direitos humanos, permitindo uma leitura em consonância com as particularidades de cada cultura[29]. Esta diferente abordagem foi o assunto principal da I Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Teeram, 1968, onde a questão da indivisibilidade dos direitos humanos foi abordada[30].

Na II Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos realizada em Viena, 1993, o foco dos conflitos havia mudado. A Guerra Fria havia chegado ao fim, trazendo como consequência diversas questões culturais de ordem regional[31]. A disseminação do fundamentalismo islâmico e, como consequência, a forte reação ocidental. Nomeadamente, portanto, a idéia central desta conferência foi a universalidade dos direitos humanos em face ao multiculturalismo ou relativismo cultural.

A tese relativista foi defendida principalmente pelos países islâmicos; China e aliados, que expressaram a idéia de que tentar impôr o modo ocidental de pensar os direitos humanos, seria no mínimo arrogante por parte dos ocidentais. Quem defende a tese relativista confere ser necessária uma maior reflexão sobre a imposição da universalidade, bem como a impossibilidade de qualquer cultura julgar outra cultura e a imprescindibilidade de saber respeitar o diferente.

Por outro lado, os que defendem a universalidade colocam que a inexistência de critérios morais absolutos que possam ser aplicados a todos os seres humanos independente da sua situação cultural acaba por impor a idéia de pacto com o terror, no sentido de que quando não se tem legitimidade para julgar, inevitavelmente acaba por revelar um silêncio diante das práticas abusivas, eval também a anuência silenciosa de aproveitamentos políticos e por justificar atos de tirania.

Uma forma encontrada pelo direito internacional para superar estas dificuldades criadas pelo problema das diferentes realidades locais/culturais/religiosas, enfim, da diferença, foi o desenvolvimento da idéia de normas jus cogens e de obrigações erga omnes.

 

3 A VISÃO DE SAMUEL P. HUNTINGTON SOBRE CONFERÊNCI A DE VIENA DE 1993:

Huntington enfatiza em sua obra alguns pontos da política missionária do ocidente, em especial a dos Estados Unidos da América. i) dois pesos/duas medidas: promovem a democracia, mas não a promovem para leva r fundamentalistas islâmicos ao poder por esta via. ii) Limitam a proliferação do I rã e Iraque, mas não a de Israel. iii) um comércio livre, mas não quando este comércio esteja relacionado com a agricultura. iv) os direitos humanos é uma questão a ser tratada com a China, mas não com a Arábia Saudita.

No caso específico dos direitos humanos, os anos 70/80 foi uma época de mudanças em inúmeros sistemas políticos. De autoritários passaram a ser democráticos, possuindo  como  principal  fator  para  estas  mudanças   o  desenvolvimento  econômico, desenvolvimento este sempre alicerçado pela ambição    ocidental.

Isto acabou por refletir, nos Estados Unidos da América, um sentimento de que já estava em curso a revolução democrática global, sendo que em um pequeno espaço de tempo os conceitos ocidentais de democracia, liberdades individuais e direitos humanos já estariam enraizados e prevaleceriam ao redor do globo[32]. Já com relação aos países europeus, estes também assumiram a promoção dos direitos humanos e da democracia como objetivos de sua política externa, mas também, os europeus assumem uma política externa no sentido de uma moeda de troca, ou seja, as demais civilizações mudariam seus sistemas e promoveriam os direitos humanos bem como alguns outros valores ocidentais considerados essenciais pelo ocidente, e em troca seriam destinatários de pacotes econômicos e ajudas financeiras.

Ocorre que com o fim da Guerra Fria[33] uma nova repartição de poder se estabeleceu, onde a influência ocidental foi fortemente reduzida e os regimes asiáticos acabam por resistir[34] às pressões ocidentais no que diz respeito aos direitos humanos. “O poder econômico da China torna imprudente a posição americana sobre os direitos humanos.”[35],[36]

                A diferença entre o ocidente e as outras civilizações sobre a matéria de direitos humanos foi claramente evidenciada quando da realização da Conferência de Viena em 1993. De um lado, os Estado Unidos e países europeus e de outro, o bloco com mais de 50 países não ocidentais, com diferentes graus de desenvolvimento. Foram constatados os seguintes problemas: as questões sobre a universalidade dos direitos humanos e o relativismo cultural. A prioridade política dos direitos sociais e econômicos, mas também a inclusão dos direitos ao desenvolvimento, direitos cívicos e políticos. A Criação do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. A participação das Organizações Não Governamentais e outras questões, crianças, mulheres, Dalai Lama… Como já mencionado, houve a conferência dos países asiáticos pré-Viena. Conclusão: os direitos humanos devem levar em consideração o contexto das especificidades nacionais, bem como investigar a questão do não cumprimento das normas sobre estes direitos violam a soberania dos Estados e que condicionar assistência econômica ao respeito dos direitos humanos viola o próprio direito humano ao desenvolvimento.

Para Huntington, o Ocidente estava mal preparado e nas entrelinhas, considerado uma derrota, pois muitas concessões foram feitas por estes países ao contrário dos não ocidentais que poucas concessões fizeram. Ao analisar o documento resultante desta II Conferência sobre os Direitos Humanos, o mesmo autor o qualifica como defeituoso e contraditório e pouco significante, salvo disposições concernentes aos direitos das mulheres. Estes adjetivos descrevem bem uma conferência sobre direitos humanos onde sequer foram debatidos temas como direito de expressão, direito de imprensa, de reunião, de expressão religiosa, e, pelas suas palavras, “um documento mais fraco que a Declaração de 1948”.[37]

 

 

4   A VISÃO DE ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE[38]  SOBRE

CONFERÊNCIA DE VIENA DE 1993.

Importante mencionar Antônio Augusto Cançado Trindade, pois, da mesma forma que Samuel P. Huntington possui grande influência nos Estados Unidos da América e Europa, Cançado traz uma análise objetiva que reflete o pensamento tanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, em especial, por ter sido o Brasil a presidir esta conferência e por ser Cançado uma grande personalidade brasileira neste ramo dos direitos humanos.

A análise que Cançado faz sobre a Conferência de Viena se dá mais sobre o desenvolvimento da reunião em si. Coloca a realização dos trabalhos preparatórios como de fundamental importância para um debate mais crítico e mais aprofundado das realidades existentes no mundo, tal como a que o bloco asiático realizou em Banguecoque, bem como o Fórum Mundial das Organizações Não Governamentais, com mais de 1000 ONGs participantes. Neste sentido, as recomendações produzidas por este fórum foram transmitidas[39] para a Conferência principal (ambas as reuniões se realizaram no mesmo local em Viena).

Menciona toda a evolução histórica, da experiência acumulada desde a Conferência realizada em Teerão (1968), nomeadamente a experiência dos órgãos de supervisão internacional; a avaliação da coordenação dos meios de proteção, avaliando-os e dotando-os de maior eficácia.

Para Augusto Cançado, a Conferência de Viena de 1993 mostrou que a participação e a contribuição das ONGs é e sempre será de fundamental importância pois são elas quem primeiro identificam os problema s concretos e buscam imediatamente encontrar soluções para os mesmos, se já alertando a organizações internacionais ou interpelando diretamente os Estados ou sendo elas mesmas a combater as violações identificadas (socorrer vítimas, prestar ajuda humanitária…).

Ao contrário da primeira Conferência de 1968, a qual possuiu como idéia mestra a tese da indivisibilidade, a de Viena acabou, na opinião de Cançado, por não possuir a mesma característica, faltando um eixo principal. Em Teerão 84 países participantes. Em Viena, 165 países mais ONGs, sendo que muitos destes países possuíam níveis de desenvolvimento muito distintos e com uma história ainda recente. Enfatizou que da convocação para Viena em 1990 até a sua respectiva realização em 1993, o mundo se alterou drasticamente.[40] Mas chama a atenção para uma equação: a Conferência de 1968 e a de 1993 fazem parte de um processo prolongado de construção de uma cultura de observância dos direitos humanos, onde a primeira, Teerão, significou a fase legislativa (visão global da indivisibilidade) e a de Viena, a fase de implementação, visando assegurar e reafirmar esta indivisibilidade e universalidade de maneira inquestionável, a sepultar todas as pretensões partidárias do relativismo.

Menciona que a diversidade cultural enriquece a universalidade e que aquela jamais poderá ser invocada para justificar a denegação ou a violação aos direitos humanos. É legítimo toda a sociedade se preocupar, proteger e inspecionar o cumprimento das normas de direitos humanos e que conforme a releitura dos princípios constantes da Carta das Nações Unidas, já agora no sentido de inclusão da Justiça Individual, onde o ser humano é o objeto da proteção, tal não afronta, de maneira alguma, o princípio da soberania estatal.

E finaliza ao colocar que o fato de países islâmico s e algumas delegações asiáticas terem assinado a declaração de Viena é um dos aspectos mais positivos. Para tanto e, por mais que em Viena não se tenha atingido um grande avanço em matéria de direitos humanos, certamente foi uma salvaguarda contra um perigoso e eminente retrocesso.

 

REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALMEIDA. Guilherme Assis de. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: matriz do direito internacional dos direitos humanos. In AMARAL JUNIOR, Alberto do; PERRONE-MOISÉS, Cláudia. (coords.) Direito Internacional dos direitos humanos: instrumentos Básicos. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

BUERGENTHAL, Thomas, NORRIS, Robert. Human Rights: the inter-american system. New York, Oceana Publications, 1982.

 

DAUDÍ, Mireya Castillo. Derecho internacional de los derechos humanos. 2ª Ed. Valencia: Tirant Lo Blanch. 2006.

 

GORCZEVSKI,  Clóvis.  Direitos  humanos  dos  primórdios    da  humanidade  ao  Brasil  de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005.

 

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LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

 

MAZZUOLI. Valério de Oliveira.Direito Internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro. América Jurídica. 2001.

 

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional / Flávia Piovesan. São Paulo: Max Limonad, 2004.

 

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SACHS. Ignacy in Estudos Avançados 12 (33), 1998.

 

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

 

 

 

 

 

 

 


[1]              Luís Felipe Costa Sella é advogado do escritório Sella & Sella Advogados Associados, especialista em Direito Internacional e em Relações Internacionais pela Universidade Lisboa, especialista em Direito Constitucional pela Unibrasil e mestrando em Direito Internacional pela Universidade De Lisboa.

[2]              Em termos jurídicos formais, a doutrina do esgotamento dos recursos internos consagra esta regra.

[3]              TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Humanização d o Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

[4]              Exemplificando, a Constituição Espanhola de 1812 im pôs restrições aos poderes do Rei e consagrou a impossibilidade de tributos arbitrários; a Constituição Portuguesa de 1822 que fixa algumas prerrogati vas individuais, igualdade, liberdade, segurança, invio labilidade de domicílio, liberdade de imprensa e a proibição de penas cruéis; a Constituição Francesa de 1848 que, inovando, prevê no artigo 13 a liberdade de trabalho e da indústria, a assistência aos desempregados, às crianças abandonadas, aos enfermos e a os velhos sem recursos. LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 100.

 

[5]              BUERGENTHAL, Thomas, NORRIS, Robert. Human Rights: the inter-american system. New York, Oceana Publications, 1982. p. 17.

[6]              Ignacy Sachs confere que o século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio concebido como projecto político e industrial, em “O desenvolvimento enquanto apropriação dos direitos humanos” in Estudos avançados 12 (33), 1998, p. 149.

[7]              De acordo com Mireya Castillo Daudí “ el moderno derecho internacional de los derechos humanos surge después de la 2ª Guerra Mundial como reaccióna las monstruosas violaciones de tales derechos cometidas por el régimen Hitleriano” em: DAUDÍ, Mireya Castillo. Derecho internacional de los derechos humanos. 2ª Ed. Valencia: Tirant Lo Blanch. 2006.p. 47.

[8]              Afirma Kathryn Sikkink: “O Direito Internacional d os Direitos Humanos pressupõe como legítima e necessária a preocupação de atores estatais e não e statais a respeito do modo pelo qual os habitantes de outros Estados são tratados. A rede de proteção dos direitos humanos internacionais busca redefinir o que é matéria de exclusiva jurisdição doméstica dos Estados”, em Human Rights, principled issue-networks and sovereignty in Latin America. In International Organizations, Massachusetts, IO Foundation e Massachusetts Institute of Technology, 1993.p.413.

[9]              Este Direito Internacional dos Direitos Humanos foi conquistado através de incessantes lutas históricas, e consubstanciado em inúmeros tratados internacionais concluídos com este propósito foi fruto de um lent o e gradual processo de internacionalização e univers alização destes mesmo direitos. MAZZUOLI. Valério de Oliveira. Direito Internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro. América Jurídica. 2001.p. 67.

[10]            PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional / Flávia Piovesan. São Paulo: Max Limonad, 2004. p.133.

[11]            A Carta da Organização das Nações Unidas fez menção aos direitos humanos, porém, só foram estabelecidos em um documento jurídico autônomo em 1948, quando da Declaração Universal dos Direitos do Homem. ALMEIDA. Guilherme Assis de. A Declaração Universal dos Direitos Humanos

                de 1948: matriz do direito internacional dos direitos humanos. In AMARAL JUNIOR, Alberto do; PERRONE-MOISÉS, Cláudia. (coords.) Direito Internacional dos direitos humanos: instrumentos Básicos. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.1.

[12]            Esta posição leva em conta a crise que o paradigma de Justiça Interestadual passou e vem passando no seio das Nações Unidas.

[13]            Richard Pierre Claude e Burns H. Weston in “ Human Rights in the world community: issues and action”. p. 4 e 5 (human rights as a challange to state sovereingty), colocam a seguinte questão: Consider, for exemple, the classical international law doctrine of state sovereignty and its corollary of nonintervention, the central props of our enherited state-centric system of world order. The values associated with this doctrine (a legal license to “ do your own thing”) and corollary (an injuction to “mind your own business”) rest in uneasy balance wi th human rights concerns (which seem to tell us “you are your brother´s and your sister´s keeper”) The problem typically arises in the context of the question: is it appropriate or inappropriate for one state to criticize or interdict the human rights performance of another?” Aqui, se colocam as análises do artigo 2º, nº. 7 adCarta das Nações Unidas, a questão da soberania estatal, a não intervenção…

[14]            GORCZEVSKI, Clóvis. Direitos humanos dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005, p. 83

[15]            TRINDADE. António Augusto Cançado. A protecção Internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948/1997), as primeiras cinco décadas. 2ª Ed. BRASÍLIA. Editora Universidade de Brasília, 2000. p. 24.

[16]            Na década de noventa, a política internacional era regida por uma dinâmica que colocava em confronto os blocos Oriental e Ocidental. Essa confrontação L este/Oeste era centrada em duas principais ideologias, que entendiam de diferentes formas a vida, a economia e principalmente, o papel do indivíduo na sociedade. A desintegração da União Soviética afastou o único desafio ao Ocidente e, como resultado, o mundo é e será moldado pelos objetivos, prioridades e interesses das nações ocidentais (Huntington. Samuel P.). Após a queda do muro de Berlim, o mundo se deparou com conflitos que estavam entravados pela Guerra Fria. Problemas étnicos, religiosos, separatistas e nacionalistas renasceram com força em África, no mundo islâmico e também na Europa. Sem contar a incessante luta da América Latina pela afirmação de sua identidade. Por outro lado, a globalização avança, ultrapassando as antigas fronteira s territoriais. A revolução tecnológica, em especial a da informática e nas telecomunicações, continua causando mudanças na forma de se relacionar.

[17]            Para uma ilustração mais apurada, relaciono alguns dos principais marcos históricos dessa década de noventa: a nova ordem e a globalização da economia e as novas tendências advindas desta globalização; formação de blocos económicos (UE, Mercosul, Nafta, Apec…); a extensão do fundamentalismo islâmico, o caso da Argélia, Cáucaso, Líbano, Afeganistão, Jugoslávia, Eslovénia, Croácia, Bósnia- Herzegovina, Sérvia e Montenegro, o caso do Kosovo e Vojvodina; em África: Ruanda, Burundi, Congo, Uganda, Angola, Timor Leste…); crises de identidade com o fim da Guerra-Fria, provocando, desta forma, o auge do nacionalismo em determinados países; os conflitos no país Basco (ETA), a guerra nos Balcãs, a CEI e o Leste Europeu; a questão da Palestina quando em 1994 os palestinos obtiveram autonomia limitada nos territórios de Gaza e Jericó. A China, o Japão, Caxemira…. Apenas alguns acontecimentos que torna necessário o enraizamento das instituições internacionais sobre a proteção dos direitos fundamentais.

[18]            Como, por exemplo, a reunião realizada dois meses antes da Conferência de Viena, entre países asiáticos que se reuniram em Banguecoque e aprovaram uma declaração que salientava que os direitos humanos devem ser considerados no contexto das especificidades nacionais e regionais e de diferentes bases históricas, religiosas e culturais. Outra importantíssima conferência, que não se pode deixar de comentar quando se trata da Conferência de Viena, foi a realização do Fórum Mundial das Organizações Não-Governamentais, entre os dias 10 e 12 de Junho de 1993. Esta conferência foi intitulada “Todos os Direitos Humanos para Todos” e com participação de 1000 ONGs. Foram formuladas conclusões e recomendações afirmando a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, a necessidade de se dar uma maior atenção aos vínculos entre a democracia, o desenvolvimento, a atenção às necessidades básicas do homem. Destacou ainda, resumidamente: democratização das Nações Unidas, adopção de novos mecanismos de resposta em face de violações destes direitos, a redução de gastos militares pelos Estados, e uma maior fiscalização e ampliação de mandatos dos grupos de trabalho.

[19]            HUNTINGTON, Samuel P. The Clash of Civilizations – Remaking of World Order. Ed. Simon and Schuster. 2007.

[20]            Ou, na terminologia de S.P Huntington, transcivilizacionais, mas puramente de moldes ocidentais.

[21]            HUNTINGTON, Choque das Civilizações. p. 30.

[22]            Criação do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.

[23]            Percebia-se, neste momento, uma mudança de paradigma, a qual evidenciava um forte declínio da força das ideologias. As ideologias e suas forças realmente declinaram; no entanto, a cultura, ou melhor, as diferenças culturais passaram a ser fatores determinantes nos choques e conflitos, fenômeno que acabou por se estender à área dos direitos humanos.

[24]            Nas palavras de Huntington:”O desenvolvimento econômico foi, sem dúvida, o principal factor subjacente a estas alterações políticas”. Choque das Civilizações. P.225.

[25]             Huntington. Choque das Civilizações. P. 225.

[26]             Huntington. Choque das Civilizações. 2007.

[27]             Huntington. Choque das Civilizações. 2007.

[28]            Quando me refiro globalização, faço menção a não possibilidade de excepção ou de diferenciação sobre estes direitos quando da sua aplicação.

[29]            Para exemplificar este posicionamento, temos a reconhecida disputa entre leste/oeste, países de raízes socialistas e de países com democracias liberais. Os primeiros elegem o núcleo destes direitos: direito ao trabalho, direito a um padrão adequado de vida para todos etc; os segundos elegem a superioridade das liberdades individuais, as liberdades civis, as liberdades de informação, etc.

[30]            Nesta ocasião, ou seja, em 1968, o relativismo cultural não era uma assunto em pauta quanto o foi quando da realização da II Conferência em Viena.

[31]            Os conflitos já mencionado. Notas: 15 e 16.

[32]            Prova disso foram os inúmeros discursos proclamados por Bill Clinton e George.W Bush quanto a sua política internacional, qual seja, a democratização universal como sua principal política externa.

[33]            Há na crítica internacional o forte debate de que só agora, em Abril de 2010, com a assinatura do tratado de não proliferação nuclear entre os EUA e a Rússia, que a Guerra Fria chega ao seu fim.

[34]            O crescente poder econômico destes países os tornaram imunes frente à pressão ocidental sobre direito s humanos e democracia.

[35]            Palavras do 37º Presidente Americano, Richard Nixon.

[36]            A China se destaca pelo seu papel na superação da crise e pela dependência que o mundo passou a ter do seu dinamismo, reproduzindo, em menor escala, a função antes exercida pelo consumidor americano. Em 2010, segundo o FMI, a China respondeu por 28% do aumento do PIB mundial, medido este em paridade de poder compra. Vários países da Ásia, incluindo o Japão, e da América Latina passaram a ter na China importante destino de suas exportações, de forma que qualquer problema nesse país se reflete rapidamente nas suas economias domésticas. Em 2010,a China se tornou a maior credora dos EUA.

[37]                   37Huntington. Choque das Civilizações. 2007

[38]            Brasileiro, ex-Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, entre 1994 a 2008, ocupando o cargo de presidente da Corte entre 1999 e 2004. Eleito para ao Corte de Justiça de Haia em 2008.

[39]            Resumidamente, recomendações no seguinte sentido: Reforçar a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, por mais que houvessem blocos contrários. O de criar um maior vínculo entre a democracia e o desenvolvimento com a satisfação das necessidades humanas básicas. Que o empobrecimento corresponde a uma violação flagrante de todos os direitos humanos, pelo que se pediu a capacitação de toda a população. E uma maior democratização do sistema ONU com novos mecanismos de resposta perante as violações de direitos humanos.

[40]            Recessão econômica, conflitos internos em muitos países do Leste Europeu, da Ásia, da África.